31.12.09
mensagem em dezanove palavras
30.12.09
sonatas e sornas
A sonata estava no fim. As notas a desvanecer-se, eu com a cabeça enterrada entre duas almofadas, um despertar quase perfeito, não fosse o frio que sentia no ombro direito, não, no ombro esquerdo, inadvertidamente destapado. Pormenor do ombro entre parêntesis, o acordar era perfeito, tal como, aliás, o adormecer já o tinha sido: a carta, eu a ver a Nicole Kidman a fazer de Woolf, uma carta do Verão de 1928, ainda tenho a página marcada: "Observo com interesse a instabilidade dos meus sentimentos em relação à França. Leonardo diz que não pode ir. Mas, como anjo que é, acrescenta - mas vai com a Vita. Depois faz de maneira - sem proferir uma única palavra nesse sentido - que eu compreenda quando, sem mim, ele se sente só de um modo insuportável. Chegados aqui eu desisto, até que, de repente, começo a dizer para mim própria que tudo isto é de um sentimentalismo pouco salutar. Mesmo assim, eu irei, depois, imagino-me a dizer-lhe adeus - e já não posso; até ao momento em que vejo um rochedo num vale, Vita numa pousada; e digo, outra vez, que devo ir. E assim por diante."
A dura realidade é que não havia sonata nenhuma. Soube-o mal olhei para a televisão, ecran escuro, escuro; o aparelho estava desligado, nada de mezzo como muitas vezes acontece quando o sono chega, música clássica e vida selvagem são os meus canais preferidos quando o sono chega. Desta vez a música vinha directamente da minha imaginação e na minha imaginação só há sonatas e pouco mais. Foi uma enorme decepção.
29.12.09
palavra do dia
(infundir + -ice)
27.12.09
castanhas
Castafiori tentou distrair-me e especulou, se tivessem estado mais dez minutos aos lume, se ao menos as tivesse abafado, se o frio não fosse tão intenso, se não tivesse acabado de deitar fora a água onde cozeram, e, já agora, como será o nome latino de erva-doce, deve ter um, não é? Castafiori sabe bem como eu lhe permito certos destemperos e algumas aleivosias, mas castanhas intragáveis são castanhas intragáveis, seja ela, seja a rainha de Inglaterra a fazê-las, sei-o agora, um absurdo em ambas as hipóteses, como absurda é a pergunta sobre o nome latino da erva-doce. Não me contive: "- Mas acha que o nome latino da erva-doce vai alterar alguma coisa?" E ela: "-Ah, pois, eu pus erva-doce mas não se sente, não é?"
Ora acontece que não só não se sentia o sabor da erva-doce, o cheiro da erva-doce, tudo o que a erva-doce provoca na nossa imaginação, como as castanhas estavam intragáveis sob todos os outros aspectos e a pergunta sobre o nome em latim só podia ser uma tentativa grosseira de lançar poeira aos que achavam que as castanhas estavam intragáveis - e que eram todos. Esta parte final corresponde ao que foram os meus pensamentos, silenciosos a partir daquele "eu pus erva-doce mas não se sente." Castafiori, porém, leu o que se passava na minha cabeça como se eu fosse um livro aberto. Disse: "- É que eu gosto muito desse nome, erva-doce." Quase que me comovi. Castafiori conhece-me, sabe levar-me, sabe que eu gosto mais de palavras do que de castanhas.
Agora que cheguei a casa posso confirmar que efectivamente o universo está ao lado de Castafiori e das castanhas intragáveis deste mundo. Erva-doce em latim é um nome encantador: pimpinella anisum.
24.12.09
no tempo do sapatinho
Sou do tempo em que se deixava o sapatinho na chaminé. E esperava-se pela manhã seguinte, o dia de Natal, para abrir as prendas. Era uma noite muito mal dormida, uma pessoa não podia fazer a mínima cedência. Nunca se sabe. Não que a manhã fosse fácil para os adultos. Claro que a manhã não era fácil para os adultos.
Muito antes do Sol nascer, já eu tinha ido à cozinha, quero dizer, já tinha visto as prendas na chaminé. Era um momento de grande ambiguidade: era uma honra não ter sido esquecida pelo menino Jesus mas, de certo modo, uma derrota em toda a linha. Como é que, não havendo nada na chaminé à hora de deitar e não tendo eu pregado olho durante toda a noite, como é que as prendas tinham ido parar à chaminé e, vamos ao que interessa, dentro do meu sapatinho? Era altura de começar a acordar o resto da casa e a perguntar se podia abrir as prendas.
Verdade se diga que tudo isto levava o seu tempo. Eu não falava fluentemente, falava como podia, falava aos soluços. Arranques súbitos e hesitações injustificadas, idas para trás e para a frente - desde cedo soube que há palavras manhosas, traidoras, palavras sonsas, palavras pomposas, palavras que só existem para nos arreliar. Às vezes mais vale estar calado. Eram momentos de grande solidão.
Raros são os que estão dispostos a ser acordados de madrugada por uma criança. Ninguém está para ser acordado por uma criança gaga, que nunca mais dizia o que queria, como se eles não soubessem o que eu queria quando o dia de Natal começava. Mas não havia em nada disto má vontade, incompreensão ou negligência. Em minha casa só havia adultos e adolescentes, adultos e adolescentes cansados, que trabalhavam nas pedras e para quem os domingos e os feriados eram sempre uma espécie de milagre. Eu era a única criança, alvo de todos os mimos mas também de todas as partidas dos meus irmãos. Os meus irmãos gostavam particularmente de duas coisas: de dormir e de me contrariar. Ora, eu não gostava nada de ser contrariada. Ainda hoje não gosto.
23.12.09
mensagem em dezoito palavras
22.12.09
o sábado antes do Natal
Na mercearia da vizinha Zefa havia uns maravilhosos recipientes, expositores, não sei o nome, umas enormes caixas com leguminosas. Nada se comparava a uma tarde passada de roda desses expositores, com as medidas do feijão e do grão e do milho sempre a trabalhar, que cansaço. Ali, sem abrir a boca - eu era muito gaga -, aviava muitas clientes imaginárias, inclusivamente, às vezes, dava-me para ser um bocado mãos largas e punha no pacote imaginário uma medida mais um bocadinho, mas só cobrava uma medida. Quando me fartava das leguminosas passava para o bacalhau. O bacalhau era o produto mais perigoso de toda a mercearia, o bacalhau e o petróleo. Eu adorava ficar a ver as manobras da vizinha Zefa com a guilhotina, a cortar às postas o bacalhau e a minha mãe sempre a dizer "Maria sai daí, ó Maria saí daí". O sábado antes do Natal era um grande dia. O sábado antes do Natal era um dia bestial.
21.12.09
LA BELLA SIMONETTA
abrasador
de uns olhos tão doces que inflamam
o coração do homem.
Só por milagre não
fiquei, ao vê-la, reduzido a cinzas."
Angelo Poliziano (1454-1494)
18.12.09
mensagem em dezassete palavras
17.12.09
A 2ª lei da termodinâmica
Como? "É como lhe digo, não acredito na juíza". Sim, já ouvi. Mas não acredita, o que é que isso quer dizer? "Havia de a ver, uma enjoada, muito novinha, cheia de gloss." Mas não acredita que a juíza conheça a lei? Não acredita que seja capaz de discernir um poucochinho? Ou não acredita que a juíza saiba fazer bacalhau à Braz? "Não desconverse, é só o que você sabe fazer, desconversar. Além disso, gosta muito deles, não é, os seus amiguinhos, os dos tribunais". E continuou, continuou.
Eu, pelo meu lado, remeti-me ao silêncio e comecei a pensar na única coisa que valia a pena pensar: no gloss. Comecei a imaginar a juíza lambuzada de gloss, eu embirro um bocado com o gloss, e até pensava que já não se usava gloss, pelo menos tanto gloss, ou que só se usasse na televisão. Estava eu na disposição de dar alguma razão a Castafiori quando recuperei a atenção e ouço a meio do monólogo que continuava imparável do outro lado do telefone: "A minha advogada para aqui, a minha advogada para ali-".
A sua advogada? interrompi imediatamente e sem qualquer ponta de arrependimento, oiça lá, mas você não era testemunha? "Era. Veja lá que nem sequer tinham uns banquinhos para nos sentarmos."
E Castafiori continuou, continuou. Mas algo me dizia que a conclusão (que só ocorreria meia hora depois e que meteu descrição da audiência e uma família ucraniana que ela, Castafiori, encontrou no corredor, mais uns senhores que lá andavam com umas capinhas pretas tipo zorro) seria como a 2ª lei da termodinâmica: há processos que só progridem num sentido, que são irreversíveis. A água não flui encosta acima. Em resumo, Castafiori não acredita na Justiça. E de certa maneira, agora que fui obrigada a pensar bastante sobre o assunto, sobre os banquinhos, os ucranianos e as capinhas, é bem feita: menos gloss e mais bacalhau à Braz e tudo seria diferente. Pelo menos era um princípio para enfrentar a crise da Justiça. Isso e uns banquinhos, claro.
16.12.09
mil
15.12.09
(exactamente)
para milhares e milhares e milhares
de partículas que jogam o seu jogo infinito
de bilhares e bilhares e bilhares.
Piet Hein
14.12.09
Ora aí está
11.12.09
bens e males
BREVES NOTAS SOBRE AS LIGAÇÕES
Gonçalo M. Tavares
10.12.09
inícios (23)
O NOME DA ROSA
Umberto Eco
9.12.09
inícios (22)
O CRIME DO PADRE AMARO
cenas da vida devota
Eça de Queirós
8.12.09
utilidades
7.12.09
às vezes
À terceira ou quarta folha encontrei uma dedicatória: "Em memória de José Marinho, Mestre de Verdade, que conversava à noite com os anjos e de manhã não acreditava neles". Este livro estava-me destinado, embora não o consiga ler. Sei lá eu o que é a Negação. Anjos e caixas de fósforos, estrelas e neblinas.
4.12.09
sennep
3.12.09
distinção
2.12.09
Quadrilha
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Carlos Drummond de Andrade
1.12.09
le rouge absolu
30.11.09
27.11.09
26.11.09
25.11.09
mensagem em desasseis palavras
24.11.09
23.11.09
sensibilidades
Foi assim que Castafiori me interpelou ontem há noite. Eu estava quase a deitar-me, estava cansada, estava chateada. E também não gosto que o telefone toque a partir das onze. Respondi.
- Não sei. Jardins botânicos sei que há.
Castafiori ignorou o meu tom e continuou, o que, como se verá, pode ser perigoso.
- Estava aqui preocupada com a evolução das plantas. Será que a linha evolutiva das plantas é a mesma que a do homem?
Eu fiz de conta que não percebi, o que não andava longe da verdade, mas ela continuou:
- Sabe como me custa adormecer com uma pergunta na cabeça e todo o dia a pergunta de vez em quando, zás, a aparecer-me, 'tá a ver?
- A um domingo?
- O que é que tem o domingo, não é um dia igual aos outros?
Sinceramente, já começava a ser demais.
- Não, é domingo.
Disse eu, e contei com que qualquer pessoa perceberia que eu não estava com disposição para conversas. Nunca me passou pela cabeça que Castafiori me respondesse:
- Sabe, se ocupasse a sua mente com coisas mais importantes que jogos de palavras talvez conseguisse fazer alguma coisa da sua vida!
Ora bem, também eu tenho a minha própria sensibilidade. Contive-me, apesar disso.
- Isso é uma crítica?
- Não, mas gostava que por uma vez respondesse a sério.
- Ai é? Então olhe: Darwin, esse nome diz-lhe alguma coisa? E a viagem do Beagle, etc , etc?
- Etc, etc? Mas você está mal disposta?
- Por acaso até estou. Hoje é domingo e o Benfica perdeu.
- Ah, já me podia ter dito, não é? E perdeu com quem?
"Já chega! ", pensei, era o que me faltava perder e ainda ter de falar de futebol com Castafiori, daqui a nada está-me a pedir para lhe explicar a lei do fora-se-jogo. Respondi secamente:
- Com o Guimarães, para a Taça.
Preparava-me para me despedir e deixar o incidente desvanecer-se por si. Castafiori não conhece, porém, qualquer espécie de silêncio tácito. Por isso, ouvi-a dizer:
- Que se lixe a Taça. Durma bem.
20.11.09
bosque inglês
19.11.09
18.11.09
mensagem em catorze palavras
17.11.09
16.11.09
Romântica FM
15.11.09
13.11.09
alta tensão
dos cafés mais amargos
das bebidas mais fortes
e tenho
apetites vorazes
uns rapazes
que vejo passar
eu sonho
os delírios mais altos
e os gestos mais loucos
que há
e sinto
uns desejos vulgares
navegar por uns mares
de lá
você pode-me empurrar p'ro precipício
não me importo com isso
eu adoro voar.
BRUNA LOMBARDI
12.11.09
mensagem em doze palavras
9.11.09
7.11.09
6.11.09
5.11.09
4.11.09
3.11.09
31.10.09
30.10.09
29.10.09
28.10.09
27.10.09
26.10.09
24.10.09
23.10.09
22.10.09
a esteira
21.10.09
audio
20.10.09
19.10.09
o sonho
16.10.09
15.10.09
FOLHA
Agora o céu é duvidoso, como uma mentira inábil.
Na primeira taberna terei de esquecer
A carta melancólica que me tirou o sono.
Ocioso, arrasto-me pela rua, entre escritórios.
As andorinhas partiram e as máquinas de escrever ficaram.
No horizonte há uma grande trombeta de fumo.
Foi há pouco inventado um avião tão pequeno como uma borboleta.
Bravo! É um bom sinal.
A primeira folha de Outono cai no meu chapéu.
RADE DRAINAC
Sérvia, 1899-1943
Trad.: J.A.Oliveira
"Rosa do Mundo"
Assírio&Alvim
14.10.09
com a janela aberta
9.10.09
8.10.09
que confusão!
hoje pela primeira vez fotografei a preto e branco com uma máquina digital. claro que já o tinha feito em película. a última vez há exactamente dez anos, no funeral de Amália. desde então, raramente fotografei em película. aliás, antes do digital, raramente fotografava o que quer que fosse. entretanto, as minhas gatas, uma delas ou as duas, não sei, resolveram o assunto por mim, e pim, pam, pum, deitaram a máquina ao chão. quilharam a objectiva, nobre nikon. não lhes perdoei completamente, mas hoje reconheço-lhes alguma razão, uma sabedoria no gesto, digamos. rendi-me ao digital. mas sempre a cores. excepcionalmente, terei passado uma ou outra para preto e branco à posteriori.
um dia destes pensei, soterrada numa nostalgia bem comportada: tenho saudades do preto e branco, vou tirar umas fotografias a preto e branco na digital, deve ser giro. foi hoje. procurei no menu e mudei o menu. eis-me então à janela, virada para as traseiras, com uma correnteza de casas, de sol, de nuvens, de roupa estendida e um assobio masculino e luminoso nuns andaimes mais abaixo. uma cena lisboeta. tirei umas fotografias e logo aí comecei a sentir-me muito esquisita, mas mesmo muito esquisita. olhava para o display da máquina e faltava-me o azul do céu, o branco das parabólicas, o traço a verde das escadas de serviço, faltava o armazém, e até os gatos vadios se tinham escapado sem um olhar.
na máquina convencional, pelo visor eu via as cores, e se olhasse para o lado, para cima, ou se fechasse os olhos, eu continuava a ver a cores. só depois via a preto e branco o que a película tinha registado. na digital, pelo display, eu vejo logo a preto e branco, tudo e todos, não me posso queixar, mas a realidade apresenta-se logo transformada e eu transtornada, para me ficar pelo fim do alfabeto.
apanhei o metro turvo e disparei, disparei e voltei a disparar. sempre a preto e branco, e sempre a verificar o que já sabia que ia encontrar: tudo estava a preto e branco e, todavia , eu via a cores, eu vejo a cores. quero explicar e não consigo, é estranho, não tem importância, é infantil, como repetir palavras até à exaustão, até que percam o sentido, desassossega, faz-nos duvidar. experimentem. é quase kafkiano.
7.10.09
duas páginas
6.10.09
pólo
2.10.09
preferências
1.10.09
novas oportunidades
Os galos não são modestos. Pelo menos, os do horóscopo chinês. E das capoeiras que conheci - evoco aqui as minhas origens rurais - não recordo, de facto, galos modestos. Nós os galos não somos modestos. Não é, pois, de admirar que tenha pensado que ali estava um slogan quase perfeito. Votou e andou.
Talvez a explicação esteja no facto de me ter tornado espectadora agradecida da série "Mad Men", que o canal 2 transmite nas noites de sexta-feira. Talvez o meu agradecimento revista a humana forma da imitação. O certo é que dei por mim ontem, no intervalo de um desafio de futebol, a fazer zapping e depressa cheguei a um produto impossível: como publicitar, junto duma audiência portuguesa, um canal russo sem legendas? "Veja o canal vesti e não diga que vai daqui. Posição 236 na zon tvcabo. Quem está zon está mesmo zon". Agora é só trabalhar na ideia. Não faltarão compradores, tenho a certeza.
30.9.09
momento
29.9.09
28.9.09
motivação
- Sim?
- Boa tarde. Fala do citi. Posso falar com a dona fulana de tal ?
- Do citi? Qual citi?
- Do citibank. Como está dona fulana de tal?
(pausa, A conta mentalmente até cinco)
- Estou bem, obrigada. (sem pausa; em tom seco) Diga então o que é que quer?
- Dona fulana de tal, o meu nome é sicrana de tal, mas deixe-me dizer-lhe antes que esta conversa poderá estar a ser gravada por motivos de segurança-
(A interrompe B)
- Por motivos de segurança? Mas eu não tenho nada a ver com o Citibank, pois não?
- Queria dar-lhe conta de uma promoção
(A interrompe B, novamente)
- Ficamos por aqui. (a rosnar) Por motivos de segurança.
Depois de desligar, A esteve tentada a ligar para a esquadra e perguntar se tinha havido algum assalto ao citibank.
25.9.09
diálogos
"- O que é que tens?
- Nada. Porquê?
- 'Tás diferente. Passa-se alguma coisa?"
É tão bom ter a televisão ligada.
24.9.09
outro tempo qualquer
22.9.09
Jorge de Sena, poema de 1965
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não sabem
como não amam se de amor não pensam
os que amar o amor de amar não gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos
mas só amamos quando amamos ao acto
em que de amor o amor de amar se cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se dá,
amor que dura apenas sem palavras tudo
o que no sexo é o sexo só por si amado.
Amor de amor de amar de amor tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar não amam.
Jorge de Sena,
Peregrinatio ad loca infecta
21.9.09
adeus Lucas
18.9.09
loja chinesa
17.9.09
caril
16.9.09
biografia
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar, no vento.
Sophia de Mello Breyner Andersen
15.9.09
ovo estrelado
14.9.09
de regresso
12.9.09
11.9.09
10.9.09
bacalhau uma vez mais
Não foi tão feliz uma das amigas cujo contributo para a tertúlia foi este: "- Será por ser bacalhau da época?"
A terceira interveniente, ainda aqui não citada, não se conteve - e eu acho que com uma certa razão - e disse: "- Da época? Mas há bacalhau da Noruega todo o ano."
Estava dada a volta à mesa. A primeira tomou a palavra, como era devido: "- Aliás, o meu falecido pai até comprava bacalhau inglês."
9.9.09
8.9.09
no ar
- ó maie, olha um abioue taue grande!
7.9.09
sol e sombra
4.9.09
uma boa notícia
3.9.09
1.9.09
palavra do dia
(talinga + -ar)
(origem obscura)
28.8.09
três canadianas e um bacalhau
Acrescentei-lhe o bacalhau. Agora sim. O bacalhau tinha mudado tudo. O bacalhau muda tudo.
27.8.09
Infância
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
Guilherme de Almeida
(Brasil, 1890-1969)
26.8.09
ementa
25.8.09
o cão cantor
20.8.09
19.8.09
18.8.09
instantes decisivos
Vou dar um exemplo: chega sempre, pelo menos, meia hora antes. Irrita. Irrita um bocado. Pelo menos a mim irrita-me. Não tanto como se chegasse meia hora atrasada, mas irrita ficcionar-se assim um atraso que não existe, uma transferência. Uma pessoa sente-se culpada, sente que está atrasada, o que não está certo, porque simplesmente eu não estava atrasada. E para mais, num domingo quente como o domingo passado, o que é que se vai fazer meia hora antes para o King? Mas eu só queria acabar de fazer o que estava a fazer. Foi isso que lhe disse. Talvez um pouco secamente.
Castafiori sentou-se um bocadinho contrariada. Puxou de um leque. Puxou do telemóvel. Puxou dum jornal. Os domingos em Lisboa são puxados. Mas os gestos e fragmentos vão-se extinguindo. Começo a sentir o peso duma certa quietude. Pelo canto do olho, pude constatar que Castafiori estava a ver o filme, com a Gwyneth Paltrow. Eu também estava a ver o filme, com a Gwyneth Paltrow. OK. Não deixava de ser intrigante, os segundos passavam e Castafiori sem dizer palavra. Tudo tem uma explicação e ela chegou:
- Não me importava nada de ter uma carinha assim.
Eu olhei para ela. Mas ela não me estava a ver. Continuou:
- Uma sarda aqui, uma sarda ali.
Gostei do detalhe. Voltei ao filme. Já agora acabava de ver o filme antes de me enfiar numa sala escura a ver um filme francês num domingo de Agosto. Porém, tive dificuldade em concentra-me. Castafiori reincidiu:
- O que me vale é que com a idade fui melhorando.
17.8.09
linha vermelha
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grande navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
ALBERTO CAEIRO
14.8.09
13.8.09
12.8.09
11.8.09
10.8.09
as escadas
7.8.09
"A GUERRA DOS BALCÃS"
O juíz, porém, decidiu da seguinte maneira:
O velho tinha de devolver todos os seus bens aos rapazes. "Caso contrário", disse o sábio e justo juíz, "os quatro indivíduos ali presentes poderiam causar distúrbios no país."
BERTOLD BRECHT
HISTÓRIAS DE ALMANAQUE
6.8.09
5.8.09
4.8.09
2.8.09
jantar em Ayamonte
1.8.09
adeus, cliozinho
25.7.09
ir e voltar

Agora que a rodagem acabou, vou uns dias para o Algarve, que é uma bela terra, com uma cor e um cheiro e um mar onde apetece estar, é um facto. À bientôt!