22.12.09

o sábado antes do Natal

Quando eu era pequena o Natal era uma coisa simples e imensamente misteriosa, pelo menos na minha classe social era. O Natal começava no sábado antes da noite de Natal. Eu ia com a minha mãe à mercearia da vizinha Zefa, que era à entrada do bairro e fazia esquina com a Azinhaga dos Salesianos. A minha mãe ia-se aviar e eu ia com ela. Nunca me aborrecia.

Na mercearia da vizinha Zefa havia uns maravilhosos recipientes, expositores, não sei o nome, umas enormes caixas com leguminosas. Nada se comparava a uma tarde passada de roda desses expositores, com as medidas do feijão e do grão e do milho sempre a trabalhar, que cansaço. Ali, sem abrir a boca - eu era muito gaga -, aviava muitas clientes imaginárias, inclusivamente, às vezes, dava-me para ser um bocado mãos largas e punha no pacote imaginário uma medida mais um bocadinho, mas só cobrava uma medida. Quando me fartava das leguminosas passava para o bacalhau. O bacalhau era o produto mais perigoso de toda a mercearia, o bacalhau e o petróleo. Eu adorava ficar a ver as manobras da vizinha Zefa com a guilhotina, a cortar às postas o bacalhau e a minha mãe sempre a dizer "Maria sai daí, ó Maria saí daí". O sábado antes do Natal era um grande dia. O sábado antes do Natal era um dia bestial.