31.10.03

(...)

(...)
A noite chega. O mocho voa. É nessa altura
Que lembram histórias de ingénuas avós...
Entre as moitas, além, há fontes cuja voz
É um rumor de assassinos tramando conjuras.

P. Verlaine

29.10.03

efeitos colaterais

“O fumo contém benzeno, nitrosaminas, formaldeído e cianeto de hidrogénio”. É o que está ali escrito, ali, mesmo à minha frente no Ventil Ligth, ao lado de duas chávenas de café. Pelo sim, pelo não, verifico se no pacote de açúcar há algum aviso. “Desejamos-lhe um óptimo café Nicola”, “açúcar granulado distribuido por Nutricafés”, “consumidor@nutricafés.pt”, “Empacotado por:sugapack”. Do outro lado do pacote uma grata surpresa matinal: “Se um Nicola agrada a muita gente, dois Nicolas agradam a muito mais”, assinado: Bombeiros AutoEuropa. Aparentemente o pacote de açúcar não contém nenhum aviso. Azar o meu: fumo e não ponho açúcar no café quando o que estaria certo seria não fumar e pôr açúcar no café. Vou passar a estar mais atenta aos avisos. É que há efeitos colaterais verdadeiramente devastadores. No trabalho, por exemplo. Ando a registar num caderninho azul petróleo com espirais pretas palavras que nos saem da boca para fora em ocasiões de abuso de trabalho:

.ao telefone (no quarto, a olhar para o despertador a menos de 6 horas da alvorada, converso):
- E que nome é que destes ao gato?
- Ramesés.
- RAM quê?
- Ramesés, a dinastia dos faraós, não conheces?
- Conheço. De nome.

.na rua (de regresso ao hotel, pergunto):
- Vais jantar?
- Não sei. Eu chego ao quarto e penso: deixa-me tomar banho que eu vou morrer.”

.no carro (por volta da meia-noite, a caminho do restaurante, sob chuva intensa, com a janela aberta, respondo):
- ´tás com calor?
- Preciso de apanhar ar. Tenho o cérebro um bocado acamado.

.na carrinha (à hora de almoço, antes de recomeçar a trabalhar, ouço):
-E o teu namorado donde é? Não é de lá?
-Não.
-Não me digas que conheceste o gajo na noite?! Que horror!

.no bar do hotel (fora de serviço, sem empregado, apenas com as cadeiras disponíveis, após 18 horas de trabalho, um estagiário que não se quer sentar):
-Desculpem lá, mas eu ainda não percebi: o que é que vocês estão aqui a fazer?

.no mesmo bar, pouco depois, alguém que chega atrasado:
-Fazer cócó é tão bom!

A minha vida está cheia de benzeno, nitrosaminas, formaldeído e cianeto de hidrogénio. Mas está cheia de pessoas e isso dá-me prazer. Não sei se poderá parecer pretensioso escrever que viver é um vício. Teria que pensar melhor no assunto. Pensar cansa, como diz o Fernando. E viver também cansa, como diz o José. E fumar também cansa, digo agora eu a olhar para a folha de serviço. Começo a trabalhar daqui a uma hora. Interior/Exterior - Noite. Até amanhã.

26.10.03

O ANJO DAS PERNAS TORTAS

"A um passo de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés. o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.
Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois, a bola trança
Feliz, entre seus pés — um pé de vento!
Num só transporte a multidão contrita
Em acto e morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.
Garrincha, o anjo, escuta e atende: Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um l. É pura dança! "

VINICIUS DE MORAES
("Para Viver um Grande Amor", Editora Sabiá, 1962, 6ª edição)

Ontem foi inaugurado um novo Estádio da Luz. Assim que puder, apanho o metro em arroios, mudo na baixa-chiado e vou lá. Gritar esseelbeesseelbeesseelbe. Antes tenho de pôr as quotas em dia e renovar o meu kit futebol - na mochila: cachecol, camisola, rádio palito e respectivos auscultadores, e uma garrafa de água do luso; nos bolsos: o cartão, o bilhete, 10 euros e a rolha de uma garrafa de água do luso (e se o jogo for de importância extraordinária, também a coleira da gata leninha); e no coração sempre a lembrança do meu pai.

23.10.03

problemas técnicos

não sei fazer links nem responder aos comentários, pelo que peço desculpa por esta aparente indiferença. espero amanhã, sexta-feira, dia de folga, suprir esta ignorância.

cummings

Um destes dias ao jantar, enquanto esperávamos um bife com pimenta, uma jovem falou-me da sua paixão pela poesia de E.E.Cummings /e.e.cummings e do seu desespero por não encontrar uma edição dos 74 poemas. Este é mesmo aquele género de problemas a que eu sou muito sensível. O outro é que já passava da meia noite e éramos 30 pessoas à espera de bifes, uns com pimenta, outros com cogumelos, é certo, mas ainda assim à espera.

"agora todos os dedos desta árvore (querida) têm
mãos,e todas as mãos têm pessoas;e
mais cada particular pessoa está (meu amor)
viva do que todos os mundos podem entender

e agora tu és e eu sou agora e nós somos
um mistério que nunca acontecerá,
um milagre que nunca aconteceu-
e brilhando este nosso agora tem de se tornar depois

o nosso depois será uma treva durante a qual
os dedos estão sem mãos;e eu não tenho nenhum
tu;e todas as árvores estão(qualquer uma mais do que cada
sem folhas) o seu silêncio em eterna neve

-mas nunca temas (meu,meu belo
meu florescer) pois também o depois é até"


e.e.cummings /
E.E.Cummings

21.10.03

sul

um dia destes tive de deitar o resto duma maçã para o chão. na terra onde eu estou as ruas não têm papeleiras. um dia destes passei três vezes pela mesma rotunda. na terra onde eu estou as ruas não têm o nome espalhado pelas esquinas. na terra onde eu estou às vezes falam comigo em inglês e às vezes põem-me os cabelos em pé com tanta falta de stress. mas eu gosto de olhar para as bicicletas que circulam sem medo e de ver os cães deitados ao sol da terra onde eu estou. acabei de ouvir um comboio a passar. mais para o sul. sempre para o sul da terra onde eu estou.

18.10.03

a carta de condução

Aos 18 anos pensei tirar a carta de condução. Arranjei o atestado médico. Para nada. Não cheguei sequer a inscrever-me em nenhuma escola de condução.
Aos 27 anos pensei tirar a carta de condução. Arranjei o atestado médico. Comprei o livro do código. Para nada. Voltei a não me inscrever em nenhuma escola de condução.
Aos 39 anos pensei tirar a carta de condução. Arranjei o atestado médico. Comprei o livro do código. Inscrevi-me finalmente numa escola de condução, talvez por ficar do outro lado da rua. Para nada. Fui a 10 aulas de código, deprimi e desisti.
Em Junho passado, pouco depois de ter feito 46 anos, pensei tirar a carta de condução. Comprei o livro do código. Voltei a inscrever-me numa escola de condução. Fui a trinta aulas de código. Aprovada com uma resposta errada.
Há 3 dias, levantei-me às 8 e meia da manhã e, equipada coma minha camisola de marinheiro russo, fui beber uma bica ao café onde vi pela última vez o meu guarda-chuva amarelo. Dei-me conta de que me tinha esquecido da carteira e voltei a casa. Aproveitei e meti também na mochila o que encontrei de mais parecido com um amuleto: a coleira da minha gata Lena. Então sim, segui para os Olivais onde me esperava o senhor examinador. Já passaram três dias mas ainda continuo convencida de que se não tivesse voltado atrás e metido na mochila a coleira da Leninha não teria passado no exame de condução. E, no meio disto tudo, esqueci-me de ir pagar a bica ao café onde vi pela última vez o meu guarda-chuva amarelo

14.10.03

vera & mia

"Um cão, eu sempre disse, é prosa;
Um gato é um poema."
Jean Burden

Lido em "Assinar a Pele", antologia de poesia contemporânea sobre gatos, Assírio & Alvim. Amanhã vou sair de Lisboa. Estarei ausente cerca de um mês. Os meus dois poemas ficam por cá. Quando voltar, já sei, vão fazer de conta que não me conhecem de lado nenhum. E eu, mesmo sabendo isso, não vou ser capaz de fazer de conta que não me fazem falta nenhuma.

13.10.03

"COMO LUXO DESNECESSÁRIO"

"Como luxo desnecessário
Foi proibido o fabrico daquilo a que as pessoas
Chamam lâmpadas
Pelo rei Tarso de Xautos,
Cego
De nascença."

Gunter Kunert

12.10.03

breillat

"O cinema pornográfico não existe. Nos filmes pornográficos não há cinema.", Catherine Breillat

madame castafiore e as padarias

Madame Castafiore não gosta de empregadas de padarias. Acha o diálogo escasso e mal humorado. Já tentou tudo, desde os temas mais rebuscados, como padrão e variantes de roscas ou o pãozinho de leite no contexto europeu, aos mais simples,v.g, misturas e pão de mafra , sem encontrar feedback à altura. Reconhece que já conseguiu arrancar-lhes alguns sorrisos e confidências mas quase sempre à custa de pequenos gestos de suborno, como abastecer-se dos derivados que ocupam o balcão das padarias (dois rissóis de camarão, 2 pastelinhos de bacalhau e um queijinho fresco, por exemplo, dão direito a um comentário sobre o antes e o depois do arrumador da rua, à descrição pormenorizada e em discurso directa da gracinha do netinho mais velho e à previsão metereológica para os dias seguintes). Madame Castafiore também não aceita ser discriminada. As empregadas mostram os dentes e a língua solta-se mal "as suas amiginhas" põem um pé no estabalecimento. Para essas há sempre um saquinho com roscas quentinhas escondido debaixo do balcão. Na opinião de Madame Castafiore, as empregadas mais perigosas são as de cabelo arranjado.

11.10.03

uma pinguinha de vinagre

À hora de jantar, e antes da Albânia ter empatado, a vizinha do 5º andar mandou cá abaixo um dos miúdos pedir vinagre. A família do 5º andar é numerosa, tão numerosa que ainda não percebi bem quantos lá vivem. São tantos que teve de ser requisitado um segundo contentor de lixo. São tão diferentes dos outros andares que são os únicos que não têm cão nem gato. Vieram para aqui há quase um ano. O prédio deixou de ter sossego e em vez disso passou a ter vozes e correrias nas escadas. Também aproveitam as escadas para cuspir e apagar cigarros. E deixam carrinhos de bébé e bicicletas na entrada do prédio. O prédio não gostou de perder assim espaço e recato e sofre em aparente e ressentido silêncio. Um dia destes, a vizinha do 4º bateu-me à porta e perguntou-me se eu reparei que no dia anterior a EDP tinha cortado a luz do 5º. E a vizinha do 1º tenta sacar-me informações sobre umas discussões a meio da noite de terça para quarta. Eu desvio a conversa, tudo muito nos conformes. Mas qualquer dia tenho que lhes dizer o que é que acho. Eu acho que eles deram vida ao prédio e, descontando as cuspidelas e os cigarros marotos, gosto de ser vizinha deles.

inícios (3)

"Se realmente estão interessados nisto, a primeira coisa que desejarão saber é o local onde nasci, o modo como passei a minha estúpida infância, a ocupação dos meus pais, o que fizeram antes de eu nascer, e tudo o mais, como se se tratasse de David Copperfield. Mas eu não estou com disposição para isso, se, de facto, querem que vos conte a verdade."
É assim que começa "Uma Agulha no Palheiro", de J.D.Salinger, trad.J.Palma-Ferreira, Ed.Livros do Brasil. Li este livro o ano passado. Em português, infelizmente. Parece ser complicado de traduzir, a começar logo pelo título, segundo a nota do tradutor. Um livro very,very interessante. Processos mentais, rotinas e aventuras dum rapaz americano.

o Miguel fez ontem anos

Conheço o Miguel desde 1993. Ele era estagiário no trabalho que estávamos a fazer. Entre nós havia (e continua a haver, mas agora com menor impacto) uma diferença de idades razoável. Fizémos mais dois trabalhos juntos e ele ensinou-me uma coisa que continuo a aplicar quase religiosamente: quando acabava um trabalho que lhe esgotava o tempo e a energia comprava sempre uma prenda para si próprio. Uma prenda que valesse a pena, uma coisa que quisesse mesmo ter, e, de preferência, cara. Passei a seguir a sua receita. E ela tem-me ajudado a viver. Às vezes, é só mesmo a prenda que faz sentido, é só mesmo dela que me lembro. Apagam-se as onze, doze, treze, catorze horas de trabalho por dia, seis vezes por semana, e fica a prenda. Apagam-se as parvoíces e incompetências a que se teve de assistir muito disciplinadamente e fica a prenda. Fica uma coisa que nós dá prazer no lugar daquilo que nos causou sofrimento ou tédio ou vontade de fugir dali.
Parabéns, Miguel!

9.10.03

dicionário: G de Guronsan

vendido em embalagens de vinte comprimidos, o Guronsan é uma das grandes invenções da moderna indústria farmacêutica, recomendado para todas as situações de imperativo e categórico afastamento da ressaca e cuja composição e demais elementos se mencionam sem mais percas de tempo: glucuronamida(400mg)-ácido ascórbico (500mg) ,cafeína (50mg),excipiente q.b.p (1 comprimido efervescente), excipientes a mencionar (sacarose, sacarina e sais de sódio, contendo cada comprimido 570 mg de sódio); modo e via de administração: oral; ver o folheto informativo que acompanha as embalagens.

8.10.03

"As Cadeiras Lésbicas"

"Na salas só havia uma cadeira
e elas eram duas
como quer fazer isto ?
no chão não é próprio
está sujo
ao colo parece mal
e assim as duas ficaram de pé
bem afastadas
uma da outra
e a cadeira ficou sentada"

Adília Lopes

canas índicas

hoje é dia 8, dia de pagar a renda. olhei para o calendário e lá estava: um 8 no próximo mês, e no outro e no outro. fechei o iCal. é nestas alturas que preciso de apanhar sol.
todos os clássicos dos jardins lisboetas lá estavam representados: os reformados a bater umas cartas, um negro provavelmente com um copito a mais a dormir estendido num banco, uma criança e o seu triciclo do natal anterior a rodar no alcatrão. e pombos, muitos pombos. chega de sol. umas empregadas camarárias trabalhavam num canteiro contíguo à praça de taxis. perguntei o que plantavam: canas índicas. já estou a ver o lord, o cão do 4ºandar, a regar as canas índicas numa saída madrugadora. e o tricíclo do natal que se aproxima a ignorar a regra da prioridade. e um pézinho reformado a encurtar caminho pelo meio das canas índicas. e eu que só estou preocupada com as canas índicas porque o nome me soa tão bem agora não sei onde pus o papelinho do depósito da renda.

pataniscas a quatro mãos

Ouço água a correr na cozinha. A Alice está cá em casa. Vai haver uma sessão de pataniscas ao almoço, feitas a meias (Madame Castafiore, hoje em tons de azul navy e sem eyeline, preparou-as e a Alice fritou-as). Não tive coragem para lhes dizer quem ontem à noite jantei num restaurante em Alcântara e comi o quê? Nem mais. Pataniscas.

um professor

"Eu não voo
ando
quero que me oiçam"

António Reis, "poemas quotidianos" (1952-1962)

O António Reis - poeta e cineasta - foi meu professor. Morreu estava eu em Madrid no programa Erasmus. Nunca lhe pude dizer que só tinha ido para Madrid para ver com os meus olhos Goya, El Greco, Velasquez...de que ele falava com tamanha paixão. Como com paixão nos enchia a cabeça de gravuras japonesas e pintura holandesa. O António Reis tinha a paixão de ensinar dentro dele. E nós agora temos o António Reis dentro de nós.

7.10.03

inícios (2)

"Alice começava a sentir-se muito cansada por estar sentada no banco, ao lado da irmã, e por não ter nada que fazer. Mais do que uma vez espreitara para o livro que a irmã estava a ler, mas este não tinha gravuras nem conversas..." E para que serve um livro que não tem gravuras nem conversas?" pensou Alice." Assim começa "Alice no País das Maravilhas", Lewis Carrol, trad.M.Filomena Duarte, Publicações D.Quixote. Amanhã é dia da Alice estar cá em casa.

6.10.03

a lata de grão

Só tenho problemas. Não há couve portuguesa. Rua abaixo, rua acima, cada lugar de hortaliça, mercearia, mini-mercado, tudo foi investigado. Nada. Uma ou outra couve branca, um repolho, vá lá, algumas couve-flores (espero que seja assim que se forme o plural), até uma couve chinesa, mas nada de couve portuguesa. É que hoje é segunda-feira, explicaram-me, e o mercado abastecedor está fechado. Não se pode fazer bacalhau com todos à segunda-feira. E apesar das cem (ou serão mil?) maneiras de se fazer bacalhau não vou humilhar mais as já demolhadas postas com uma 2ª escolha, só porque não há couve portuguesa. Não sou pessoa para isso. Comprei uma (mais uma) lata de grão. Se há coisa com que eu embirro é com bacalhau espiritual. Vou fazer bacalhau cozido, com grão de lata, batatas e uns ovinhos (just in case).

Madame Castafiore

Almoçei com Madame Castafiore. Oitenta quilos ou mais. Altura abaixo dos 170. Índice superior. Tons de verde seco. Pulseirame à direita e horas à esquerda. Camurça em seus delicados pés. Eyeline (remissão:Maria Callas). Não fora uma raiz do cabelo traiçoeira e o marron dos caracóis pareceria natural.

inícios (1)

"Antigamente, o largo era o centro do mundo". Assim começa "O Largo", de Manuel da Fonseca, em "O Fogo e as Cinzas". É certo que há mais inícios que marinheiros, mas lembro-me sempre deste quando atravesso as nossas vilas e, claro, quando passo no Rossio.

5.10.03

imperdoável

(ainda) não ter referido o golaço do Roger. tenho de ir pagar as quotas.

Ícaro 64/ G.Kunert

(3)
Todavia abre os braços e toma
Balanço para o impossível.
Toma um longo balanço para
Voares
Rumo so teu firmamento
Onde todas as estrelas se extinguem.

(4)
Que o dia vem chegando.
Há sempre um horizonte que aparece.
Toma balanço.

in "90 Poemas de Guntar Kunert", apáginastantas,1983, trad.Teresa Barté

(falta um acento no u de Gunter mas não o encontro no teclado. contra-ordenação leve)

gatos pré-socráticos

"A proximidade dos gatos pode alterar a nossa personalidade, diz um estudo recente. O toxoplasma gondi, um parasita que vive no intestino dos bichanos pode instalar-se no cérebro humano. Torna os homens desconfiados e as mulheres promíscuas. Trinta por cento da população mundial já está infectada. Objectivo: levar-nos à auto-destruição." assim começa "o feitiço dos gatos", na Pública de hoje. Nem foi preciso ler mais nada para subir com todo o gás natural três andares, entrar em casa de rompante, mas suficientemente lúcida para antes ter utilisado a chave da porta, e esfregar o artigo nos bigodes da vera e da mia, de tal maneira que já me esqueci da ordem por que o fiz. Elas cheiraram o artigo, rasparam a secção das cartas da maya, afinal a verdadeira razão porque compro o público ao domingo, viraram a pública de pernas para o ar, e a vera, a minha mais velha, pousou a unha umas páginas mais atrás:"quando estou preocupada ou aborrecida nada me anima mais do que ler dez linhas de um pré-socrático!". Feito isto, a vera deu duas lambidelas na pata esquerda e virou-me costas. A jovem mia há muito que o tinha feito. Acho que é altura de termos uma conversa a sério.

uma tarte-de-maça republicana

Esplanada buondi, hoje a meio da manhã. Madame Castafiori chega, dá meia volta ao jornal, faz uma pausa para mexer o adoçante no café e comenta sorridente: - Hoje é o 5 de Outubro. Vira a página e continua: - Apetece-me fazer um bolo.

almoço entre as árvores

"o tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem e o tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem"

4.10.03

distracções

Ontem, ao vadiar por aqui, li na home page do "público" que o ministro PL se demitira. Como acho normal que um ministro deste governo se demita não li o resto. Só à noite, na tv, soube a razão. Entre a lista de razões não me tinha ocorrido esta. Que um problema doméstico indirecto seja tão grosseiramente incluido no mercado paralelo da ilegalidade. E logo acrescentei à minha lista não só a razão porque o ministro PL se demitiu, como uma outra: a razão porque o ministro MC se deveria demitir. Mas. Parece que é compadre do PM, e este precisa muito dele, coitado, e, em resumo, não se vai demitir. E mais uma vez se verifica que os ministros não se demitem pelas minhas razões. Nem sei bem porque continuo a votar. Bem, o post está um bocado confuso mas agora estou sem tempo para um re-edit. Vou para o almoço, na outra margem, não sei se entre as árvores.

3.10.03

o guarda-chuva amarelo

tirei o dia para a internet. estou a fumar demasiado. não li nada de interessante. amanhã tenho um almoço de antigos combatentes. uecs de coimbra.

entretanto, perdi o meu guarda-chuva amarelo, cortesia da oni quando subscrevi o serviço adsl. havia outra oferta, já nem me lembro qual, e eu pensei: vou levar o guarda-chuva, é da maneira que fico com um guarda-chuva imperdível:quem é que vai querer um guarda-chuva amarelo? quiseram. há três dias fui ao café às 8 da matina e esqueci-me do supra-citado. e quem o apanhou chamou-lhe um figo. parabéns ao feliz contemplado. a malta da curraleira provavelmente adora o amarelo. ou então foi alguma velhinha que o confundiu, dada a tendência das velhinhas para confundir e do amarelo para ser confundido. seja como for, durou quase um ano, foi usado três vezes e molhado em duas ocasiões. aqui fica a estatística, para quem gostar de estatística. quanto a mim, estou a recuperar.

de resto e aqui: começo a ter problemas logísticos: não sei como admitir comentários, pôr o mail, etc. isto tudo, apesar de ter tirado o dia para a net.

1.10.03

dicionário: V de Veleiro

Zoe, Simbad, Yellow Bird, Onda, Mary Gold, Vincent, Marlin, Giripiti, Karina, Invictus IV, Karma, Sea IV, Atlanta III, Sundance, James Bond, Zille, Resolute, Wind Song, Sticky, Escapade, Dolcevita,...
Nomes, templos, outros mundos. E sinais de casta (mas esses vão ficar ,por enquanto, aqui: entre parêntesis). São nomes de veleiros. Nomes com destino, nomes de promessas. Navegações. Marina de Lagos, num domingo qualquer, quando a noite se aproxima e já cheira a polvo, primeiro na brasa, daqui a nada à lagareiro.

Os veleiros atravessam apelos que o fundo nos devolve do mar . Dia após dia. Os veleiros seguem nuvens num eterno retorno ao canto da sereia. Os veleiros são estrelas que navegam candentes até ao amanhecer. Os veleiros constroem os mares, os nossos mares. Os veleiros. Coitados dos veleiros da Marina de Lagos. Aprisionados em terra.

Simbad, Mary Gold, Zoe, Marlin, Vincen, Giripiti, Karina, Invictus IV, Sundance, Karma, Sea IV, James Bond, Dolcevita, Zille, Resolute, Wind Song, Sticky, Atlanta III, Escapade, Yellow Bird, Onda. Grandes nicks.

Recordo um poema, escasso e belo, de Joaquim Namorado, alentejano natural de Alter do Chão, que navegou em Coimbra, onde viveu e morreu, e que um dia escreveu “Viagem aos Mares do Sul” : Nunca lá fui.