30.9.10

Ontem à noite

- Amanhã é dia trinta?
- É.
- Então, até dia trinta.

29.9.10

tintas

Quantas vezes escrevo só por causa da tinta? Gosto de ver as palavras plenas de tinta a deslizar por entre as aspereza do papel, e de sentir o impacto, um impacto mínimo, é certo, mas que eu acho serem pequenas brechas a abrir-se no meu cérebro, a expandi-lo, a alongá-lo como se alonga a coluna vertebral. Também gosto de ver as letras no écran e ter a sensação de o que escrevo é escrita. É claro que para isso precisarei de encontrar outras palavras, como aquela que não encontro para o lugar de "gostar". Isto para começar.  É preciso abrir brechas cada vez maiores.

28.9.10

segundo

O segundo é a duração de 9.192.631.770 períodos da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do estado fundamental do isódopo 133 do átomo de césio, a uma temperatura termodinâmica de 0 K.
Eis a ciência.

27.9.10

noites frias

"A noite está fria". Numa esplanada sobre a Avenida percebe-se quanto a noite está fria. E ao sentir na pele o frio da noite, veio-me à ideia a Terra Estreita de manhã. Pensei na areia e nos reflexos na água, e pensei também na viagem de regresso, curta e dourada. Em vez que pensar nos dias de chuva que, tarde ou cedo, se aproximam, lembrei-me daquela espécie de felicidade passada entre o mar e o mapa. Não há só exaltação no acto de recordar. Há nele também ingratidão, como se os bons momentos do passado fossem responsáveis pelos momentos que queremos excluir do presente. Porém, tenha eu ou não razão, uma coisa é certa: o Verão já acabou.

24.9.10

comutações

leilões sem carabina, letões sem gin, limões sem frio, leões sem cheta

23.9.10

ímpares

leilões sem cheta, letões sem frio, limões sem gin, leões sem carabina

22.9.10

no hall

O hall do teatro é um sítio agradável. Está fresco, mas não está frio, a luz é natural e artificial, e eu estou sentada numa cadeira e não tenho pressa em levantar-me. Está-se bem no átrio do teatro. É possível que lá fora ocorram, agora mesmo, mil e um dramas, dos quais eu poderei escrever dois, vá lá, três, por ano, se lá estivesse para os ver e ouvir, é possível que eu os pudesse escrever. Mas estou aqui sentada. E também os poderei escrever, penso. Não me inquieto. Eu sei o que são dramas. Mesmo que os visse na minha frente, em vez de os adivinhar pelos vidros das altas portadas, mesmo que os ouvisse directamente em vez de estar a ouvir a máquina de café, mesmo assim nada garantiria que os viesse a escrever, e já não digo auspiciosamente, digo segundo qualquer convenção. Não basta estar lá. Escrever, ainda que mal, dá trabalho.

20.9.10

lugares livres

É difícil estacionar naquele lugar. Por isso, ele, quando viu o lugar, disse, Este é meu, este não me vai escapar. E a partir do momento em que disse "este é meu", não havia outra hipótese, o lugar tinha de ser dele, tinha de estacionar exactamente ali - nem mais abaixo, nem mais acima, nem para um lado, nem para o outro, mas ali. Evidentemente que não contava com o pilarete. Estúpido é que ele não é. Se soubesse que estava ali o pilarete não tinha estacionado o carro exactamente ali, aliás, nem sequer teria dito, como disse, "este é meu", pela simples razão de que teria visto o pilarete em vez do lugar, estamos entendidos?

17.9.10

com amêndoa por cima

Um croissent. Com fiambre? Sem fiambre, faz favor. Com queijo? Um croissant, sem fiambre, sem queijo, sem manteiga, um croissent. E um croissent com creme? Daqueles que leva amêndoa por cima? Sim. 'Tá bem, um croissent com amêndoa por cima. Sai um croissant com creme. É daqueles que leva amêndoa por cima? Todos os croissents com creme levam amêndoa por cima. Todos? Isso é alguma lei? Hoje não está muito bem disposta, pois não?

16.9.10

exterior





15.9.10

porta







14.9.10

janela





13.9.10

suportar:

barulho na biblioteca  comida sem sal  multibanco fora de serviço
ordene de 1 a 3

10.9.10

saída de campo

Estava um homem de camisa branca sentado no muro antes do molhe. Estava virado para o mar. A camisa estava por fora das calças e os punhos estavam desabotoados. Isto era tudo o que eu via. Eu via-o dum sítio onde esperava um café tardio. Via-o a olhar para o mar, como um veleiro impaciente que aguarda uma decisão vinda de terra. Como se, a bordo, tudo estivesse há muito tempo pronto a zarpar. Por isso, naquele universo constituído por mim, pelo homem e pelo veleiro imaginário, nada nem ninguém, nem mesmo o homem, percebia porque é que tudo tinha de continuar como estava. O homem manteve-se ali parado, a olhar o mar, com as mãos apoiadas no muro, com o vento a entrar-lhe para dentro da camisa e a fazer dele a vela dum veleiro, uma vela branca, branca da cor da espuma que se desfazia e transformava o ar num mar de pequenos cristais. Provavelmente estes pensamentos foram a causa da minha distracção. Perdi o domínio da situação. A certa altura o homem levantou-se e foi-se embora. Levava as mãos nos bolsos e, de vez em quando, virava o olhar para o mar. Saíu da minha visão pelo lado direito. Prescindi de qualquer movimento panorâmico e perdi-o de vez. Tirei os headphones e fiquei ali, a ouvir a estranha canção do mar.

9.9.10

descansar:

acordar noutra cidade  correr ao sol  parar no meio da ponte
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