10.9.10
saída de campo
Estava um homem de camisa branca sentado no muro antes do molhe. Estava virado para o mar. A camisa estava por fora das calças e os punhos estavam desabotoados. Isto era tudo o que eu via. Eu via-o dum sítio onde esperava um café tardio. Via-o a olhar para o mar, como um veleiro impaciente que aguarda uma decisão vinda de terra. Como se, a bordo, tudo estivesse há muito tempo pronto a zarpar. Por isso, naquele universo constituído por mim, pelo homem e pelo veleiro imaginário, nada nem ninguém, nem mesmo o homem, percebia porque é que tudo tinha de continuar como estava. O homem manteve-se ali parado, a olhar o mar, com as mãos apoiadas no muro, com o vento a entrar-lhe para dentro da camisa e a fazer dele a vela dum veleiro, uma vela branca, branca da cor da espuma que se desfazia e transformava o ar num mar de pequenos cristais. Provavelmente estes pensamentos foram a causa da minha distracção. Perdi o domínio da situação. A certa altura o homem levantou-se e foi-se embora. Levava as mãos nos bolsos e, de vez em quando, virava o olhar para o mar. Saíu da minha visão pelo lado direito. Prescindi de qualquer movimento panorâmico e perdi-o de vez. Tirei os headphones e fiquei ali, a ouvir a estranha canção do mar.