30.7.07

nós, os touros

(no 6, a descer a Conde Redondo)
'Tá?'Tá? 'tava aqui a lembra-me duma coisa /.../ pois /.../ é que o Dr.João é touro (risos)/.../(risos) ah pois, não sabia? /.../ era só para lhe dizer isto (risos), /.../ adeus, beijinhos.

29.7.07

28.7.07

dia 28: top

DSCN1203© fatima ribeiro2007DSCN1203© fatima ribeiro2007

27.7.07

26.7.07

25.7.07

24.7.07

infracção

A vida não me podia correr melhor. Ontem recebi uma notícia que me fez chorar baba e ranho. As mulheres têm este péssimo hábito: com grande frequência, choram. É uma grande chatice. E uma grande estupidez: se eu já sabia que aquilo ia acontecer, só posso ter chorado por isso mesmo, porque já sabia que aquilo ia acontecer. E hoje, para começar bem o dia, o cliozinho estava acompanhado por um papelinho das forças da ordem. É claro que não ia chorar por causa da merda dum papelinho, que nem sequer tem um poema impresso como os autocarros da carris.

A merda do papelinho dizia não sei quê, não sei que mais, artigo 49, 1, d) do Código da Estrada. O cliozinho não estava em cima da passadeira, mas estava dentro dos 5 metros proibidos. É o mesmo. Infracção. Eu sei que é contra a lei. Quando vi o papelinho não me deu vontade de chorar - também não exageremos -, mas deu-me para a nostalgia e pensei em todas as voltas e contra-voltas que eu e o cliozinho habitualmente damos para cumprir a lei. Nunca deixei o cliozinho em cima duma passagem de peões, mas confesso que o deixo muitas vezes dentro dos metros tabu. Agora, a divisão de trânsito pôs a minha rua no roteiro das coimas, parece que logo depois das 8, pela fresca. Daqui as uns tempos, será substituída por outra rua mais abaixo ou mais para cima. Nessa altura é muito provável que definitivamente deixe de ser uma menina bem comportada.

Não vale a pena. Também em relação ao que ontem tanto me fez chorar hesito em deixar de cumprir as regras. Mas já hesito. Estou a envelhecer, é o que é. Durante muito tempo pensei que era a juventude que se escapava das regras. Percebi, já há uns anos, que não só não era assim como era exactamente o contrário. É simultâneamente terrível e libertador avistar essa espécie de terra prometida que é o nosso fim.

23.7.07

contrato desfeito

- Compreendo.
- E porque é que não havia de compreender?
O primeiro outorgante ficou de boca aberta. Tentara ser simpático. Começou a ver tudo desfocado. Era um dos dois tipos de reacção que podia ter: ver tudo desfocado. O outro tipo de reacção era tão simples quanto o primeiro: via tudo vermelho. Se visse tudo vermelho e desfocado era melhor mandar chamar a ramona. Adiante. Resolveu acalmar e ter um gesto de boa vontade para com o segundo outorgante. Agora estava a ferver por dentro.
- Todos os dias encontra pessoas que o compreendam?
- É mais frequente do que você julga, respondeu-lhe o segundo outorgante. O primeiro outorgante voltou a ver tudo desfocado. Tinha-se resolvido, momentos antes, por um gesto de boa vontade. Mas só um. Se havia coisas que o segundo outorgante definitivamente não suportava era o abuso. Visto isto, perguntou:
- Sabe o que você é? Sabe? Você é um tótó, um realíssimo e alternadíssimo tótó! Tótó é o que você é, seu tótó!
- Está-me a chamar tótó?
- E ainda por cima estúpido até à quinta casa! Estou-lhe a chamar tótó?!
- Veja lá como fala, nunca ninguém me chamou tótó!
- Ai não? Nem para isso serve. Tó-tó, t-ó-t-ó. Tótó, grande tótó! E olhe, não se esqueça dos acentos!
Bateu com a porta. Só na rua percebeu que o contrato estava automaticamente desfeito.

22.7.07

algumas palavras com o galão

Diálogo ao balcão dum café, entre o Sapateiro, com banca aberta na esquina, e uma Cliente de Nariz no Ar (e mais não digo):

- Senhor A., está lá agora?
- Não, agora estou aqui.

21.7.07

inícios (9)

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

UMA GALINHA
"Laços de Família"

Clarice Lispector

20.7.07

19.7.07

18.7.07

17.7.07

Starligth

Ouvi gritos e fui à janela. Na rua passavam cinco brasileiros e várias garrafas de cerveja. Olhei para o lado e vi a minha Vera chegar à varanda. Espetou as orelhas e aguardou. Eu tentava perceber o que diziam. Parecia-me que gritavam "adeus". Adeus? Olhei para a Vera na esperança de que tivesse percebido alguma coisa. Continuava com as orelhas espetadas. Era domingo à noite. Fechei a janela. Dentro de casa continuava a tocar Miles Davis. Stella By Starligth.

16.7.07

inícios (8)

"A voz vinha de longe. E eu continuava a caminhar por entre as ervas do pântano, ouvindo-a numa meia inconsciência. O cansaço e o calor davam-me aquela lassidão de músculos agradável pelo desprendimento da realidade e da volúpia de deixar a atenção dormente e pegada a pequenas coisas em que noutras ocasiões não se repara. Ia caminhando devagar, com um instintivo cuidado, através do areal pantanoso, por entre as ervas altas e os caniços em sebes densas que me obrigavam a dar grandes voltas para seguir na direcção que pretendia".
RIO TURVO
Branquinho da Fonseca

15.7.07

14.7.07

13.7.07

11.7.07

dia 16: peixe voador

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inícios (7)

"O Abade de Espinho, um dos mais ricos da diocese de Viseu, pecara na mocidade. Coisa rara, senão singular, em abades."
O RETRATO DE RICARDINA
Camilo Castelo Branco

10.7.07

maiúsculas

Estou sentada em frente à porta. Do lado de lá passam carros e mais perto de mim as pessoas. Perpendiculares, para a esquerda e para a direita entram em campo, num sentido e noutro sem parar, excepto a dama gorda e florida que inveja a bavaroise de framboesa, na montra, ali ao alcance do seu olhar predador. Algumas pessoas atravessam para o lado de lá da rua. Em frente a mim está a porta, em frente à porta a rua e do lado de lá da rua uma loja com um toldo onde incritas estão a negro as palavras 'crédito sobre penhores a modesta'. Tudo em maiúsculas.

9.7.07

impressão

Há dias assim. A pesca não estava a dar. Resolveram ir aos caracóis. Um deles sabia dum sítio. Um sítio onde mais ninguém ia, um sítio que só ele conhecia, repleto de caracóis. Caracol, caracol, onde vais com tanto sol? Um sítio secreto, tão secreto que praticamente todos os caracóis o conhecem. E de certeza que há lá muitos? Muitos, meu, a sério, muitos. O que é que tu entendes por muitos ? Não os contei, meu, mas da última vez eram muitos. Muitos? Muitos. Vivos? Vivos, claro. Já ouviste alguém dizer que vai apanhar caracóis mortos, meu ? Acho que já não vou. Não me lixes, agora que já estamos quase lá. Faz-me impressão, o que é que queres, ainda se estivessem mortos.

dia 15: um domingo de Verão em Lisboa

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8.7.07

6.7.07

5.7.07

4.7.07

dia 11: do outro lado da rua

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céu sem fim

Olho o céu sem fim
à espera de ver a estrela que tu vês

Vou ao encontro dos viajantes que chegam de todo o lado
à espera que alguém se tenha inebriado com o teu perfume

Enfrento os ventos
à espera que tragam uma mensagem tua

Vagueio sem destino
à espera de ouvir uma canção que fale de ti

Olho as mulheres que encontro sem outra intenção
que descobrir um toque da tua beleza nos seus rostos

AL-THURTHUSI (Andaluzia, século XI DC)
O Vinho e as Rosas (Assírio & Alvim, organizalção de Jorge Sousa Braga)

3.7.07

engano

Quando ouviu o ruído ainda pensou que ela tinha voltado. Mas não, era o gato.

2.7.07

ganga

Hoje vi o Puma Branca. Estava com uma T-shirt sem mangas, discreta como só o encarnado pode ser. Quando se virou para falar com a loira do lado, detive-me nos óculos de sol ao peito, suspensos da gola, ansiosos pelos momentos de glória que se adivinham: rua abaixo, rua acima, com paragem obrigatória nos quiosques e num ou noutro talho, daqueles que têm sempre um empregado a fumar à porta. O Puma Branca atirou dois aéreos que tilintaram no vidro do balcão, lançou um último olhar à loira, pôs os óculos e saíu. Isto é para abreviar. Porque não foi bem assim: o Puma Branca ainda se virou uma vez mais. Foi por isso que eu reparei nesta singularidade: nas calças de ganga da loira faltavam os bolsos de trás, apenas desenhados a azul escuro no azul claro das calças. Sou obrigada a reconhecer que o impacto geométrico era evidente. O Puma Branca olhou e sou também obrigada a dizer que sorriu. Só depois é que pôs os óculos. E saiu. Assim é que foi.

dia 10: ao domingo

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