7.5.12

no cabeleireiro


Olhei-me fixamente no espelho. Fria, preta, natural black. Era assim a minha cabeça. Ouvia-a ao longe, Passamos para a lavagem? Não me mexi. A primeira pessoa do plural paralisa-me. Precisamos de limpar esse pescocinho. Fiquei a saber que tinha um pescocinho. Que podia eu fazer? Levantei-me. Ela adiantou-se.

Sentei-me e encostei a cabeça. Ná, ná, precisamos de limpar esse pescocinho. Aquele “esse” acrescentado ao pescocinho destabilizou-me. Tive vontade de me levantar e sair. Mas naquele estado, só me restou o mais antigo dos pensamentos: vingança, vingança, vingança. Enquanto a água corre no lavatório, ouvia-a de novo, Pomos champô normal ou para coloração? Não esperava tão cedo uma oportunidade. Respondi, Não sei, pergunte à Dona Mena. A Dona Mena é a dona do cabeleireiro e eu sabia perfeitamente que a Dona Mena não estava. E ela também. A Dona Mena foi ao banco, disse, e acrescentou, Está boa a água? Um bocadinho quente, murmurei. E de imediato passei ao contra-ataque, A Dona Mena é muito rigorosa nos champôs. Ora, ora, respondeu-me calmamente enquanto passeava os dedos enluvados pelo meu novo cabelo preto natural black, Vamos usar para coloração. Ergui o sobrolho. De nada serviu. A Dona Mena com certeza que não se vai zangar. Concedi a mim própria uma paragem táctica e remeti-me ao mais profundo dos silêncios.

De olhos fechados, deixei que os seus dedos quase me arranhassem. Voltei a ouvi-la. Pomos creme? A primeira pessoa do plural estava de regresso. Temos aqui um que repõe o PH. Com certeza que a Dona Mena não se vai zangar, disse ela, enquanto abria a porta de um expositor dois metros ao lado. Eu soergui a cabeça num gesto de rebeldia. Ao fundo, reconheci num espelho a minha figura. Cabelo preto natural black. Ela voltou. Os meus olhos enquadraram a revista pousada na cadeira ao lado. “Les Coiffures Automne/ Hiver”. Era uma mulher de cabelos cor de fogo. Não sei porquê, acho que aquela mulher de cabelos cor de fogo me deu uma certa força interior. E talvez por isso, quando, já encostada, troquei um olhar com o seu olhar pairando por cima da minha cabeça, como se me lesse o pensamento, perguntou, Vai cortar as pontas? Pela primeira vez naquele dia prescindiu da primeira pessoa do plural.

Ela sabia que a atingiria nos dentes se o fizesse.

4.5.12

um mestre

RIP
inesquecível Fernando Lopes,
por todas as ocasiões em que nos encontrámos - na Várzea ou em Wuppertal, e sempre nesta Lisboa triste e alegre - e também por todas as outras em que nos desencontrámos, obrigada pelos filmes, pelas viagens, pelas histórias, pelos wisquies e pelo teu olhar certeiro e sobretudo por me teres feito sentir tua filha, e hoje também, e amanhã, e até ao fim, se isto tiver fim como parece