29.12.11

detalhes

(um telefonema, numa tarde de sol, estação de roma-areeiro:)
/.../ Sim, mas resolva o mais rapidamente possível. Preciso que arranje o dinheiro para poder negociar, ó Alberto. E quanto antes /.../ Ó Alberto, não entre em detalhes, não entre em detalhes /.../ deixe-o no caixote do lixo e depois manda-me uma mensagem /.../ assim eu já posso negociar, 'tá a ver? /..../ quanto mais adiar, pior. /.../ não entre em detalhes. Deixe-o naquele sítio e vá-se embora/.../ Não entre em detalhes, Alberto, sobretudo, não entre em detalhes. Esta conversa está a ser gravada.

28.12.11

safety instructions

Instruções de segurança encontradas a bordo de um A329: (descolagem-aterragem-despressorização) não fumar, não usar equipamento electrónico; (aterragem de emergência-amaragem) não fumar, tirar sapatos de salto alto, insuflar o colete no exterior da aeronave; (saída de emergência A) tirar sapatos de salto alto; (saída de emergência B) tirar sapatos de salto alto. Sapatos de salto alto em inglês diz-se high heeled shoes e retirar sapatos de salto alto, remove high heeled shoes.
Folow the crew instructions.

27.12.11

é natal no meu café

Os homens que gostam de homens têm mais probabilidades de ter netos, disse o rapazinho à mãe. A mãe estava nesse exacto momento a dar uma valente dentada numa fatia dourada. Há momentos de sorte.

22.12.11

lapsus (5)

um amor nunca vem só

9.12.11

Carta ao Menino Jesus

Menino Jesus,
quero o oito e o oitenta,
tua
Fátima

8.12.11

funcionário diante do computador e eu diante dele, até que o fax seguiu

está a ver, aqui estava F04, F, 0, 4, agora está tudo como F03, está a ver, por isso é eu estava a fazer esta manobra toda e, vá lá, esta nem foi das coisas mais difíceis que fiz

6.12.11

minutos

São onze e sete. Vou cortar as unhas. Não. Vou às compras. Arroz, espargos, ovos, ah, papel higiénico. Não. Vou ver as notícias. Vou à drogaria comprar soda cáustica. São onze e oito.  Primeiro, a roupa escura. Vou pôr a máquina a lavar. Não. Vou à janela. Não. Vou aos correios. Não. Três limões, três latas de atum, três vezes três nove. São onze e nove. Vou ali. Já venho.

5.12.11

um sonho

Sonhei que tinha milhares e milhares e milhares de notas de cinquenta euros no quarto - disse a mulher ao balcão do café. E riu-se. Nós, clientes sem fé nem graça nem nada que nos valha, ficámos a invejá-la ao balcão do café. Um sonho jé é uma ajuda.

2.12.11

2012

Comecei a ler o meu horóscopo chinês para 2012. Senti-me tonta. "Te espera un año donde tu sangre volverá a correr tumultuosa por tus venas...". Parei. É de amor que fala. Prosseguirei mais logo. Não aguento tamanha chama.

1.12.11

gelfino

Entrei numa loja de congelados. Comprei a única coisa que não estava congelada. A Empregada pesou a cara de bacalhau e perguntou-me, Cortamo-la? Declinei tacitamente o convite. A conjugação, porém, veio comigo. Hoje, dia da Restauração.

30.11.11

29.11.11

28.11.11

23.11.11

gmail, uma palavra com truque

acabo de ler no interior do meu mail, na coluna da direita, um anúncio: "professora nativa dá aulas privadas de russo no parque das nações". eu nem estava a pensar em aprender russo. mas agora, com tanta palavra fascinante, fiquei em squeeze. nativa, privada, russo, parque, dá. como diria Castafiori, a palavra gmail tem truque. para Castafiori, cozinhar tem truque, pesquisar tem truque, estacionar tem truque, um vaso de manjericão tem truque, o gel capilar tem truque, o próprio yoga tem truque, enfim, o mundo é um truque, e só o seu catolicismo, embora com truque, a impede de dizer que Deus é um truque.

18.11.11

wittgensteinianas









17.11.11

consolação

Virou-se para mim e disse, Sem vocês que seria da ficção. Sem vocês, quem, perguntei. Ora, sem vocês, os infelizes. Eu fiquei a olhar feita parva. Sem imaginação não há consolação. Há só necessidade.

16.11.11

tirada

O que é que queres dizer com eu não ter razão, vá, diz lá, o que é que tu queres dizer com isso, é que se ainda quisesses dizer alguma coisa eu percebia que querias dizer alguma coisa, pronto, ainda era capaz de perceber estares a dizer o que estás a dizer, e tu até estás a dizer que eu não tenho razão, mas é óbvio, está na tua cara que não queres dizer nada, aliás, se quisesses dizer alguma coisa eu já teria percebido que querias dizer alguma coisa e a verdade é que a tua boca nem se abre, o que só pode querer dizer uma coisa, quando uma pessoa fica assim de boca fechada só pode querer dizer uma coisa, e não duas ou três ou quatro mas uma, única, e essa é o mesmo que nada, zero, um é igual a zero, 'tás a ver, quer dizer isto e só isto: é que tu não tens nada para dizer, e que só dizes o que dizes, só dizes que eu não tenho razão, por dizer, mas vá, fala.

15.11.11

14.11.11

factos

o vento desconhece os factos, qualquer deles
descompassado, sopra, árido,
ávido
em linha recta
escapo
até à próxima estação

os factos são recentes, vão e vêm
como uma batida no coração se instalam
ao fim de alguns quilómetros
o vento torna-se quase íntimo
páro
noventa e cinco ou noventa e oito octanas
três números fazem diferença
descanso, por um instante
quem me dera perto
duma macieira
cercada de formigas
em vez de vultos no alcatrão, em sobressalto
percebo que não são pétalas
o que vejo
nem óleo perdido
nem nada que se pareça
com as minhas pálpebras a descerem sobre mim, em marcha lenta
são bocados de papel rasgados por mãos recentes
que se devoraram
como factos inconclusivos
a caixa repete bomba seis, bomba seis
num último esforço
empurro com as duas mãos uma montanha
ao mesmo tempo penso, eis a realidade desfeita
de um momento para o outro

na autoestrada só há futuro

10.11.11

cinzas



fala mais baixo
por favor,
são seis da manhã
o ar quente sobe no meio do ar frio
queres chá
é uma questão de densidade, pura física,
com açúcar ou sem açúcar
fala mais baixo,
e olhávamos para cima
o fumo e a frase subiam até ao tecto,
sabes bem que é sem açúcar

em breve eu deixaria de fumar
e nas noites em que não fumo
que são todas
continuo a fumar nessas noites em que fumávamos
toda a noite
já não nos podíamos deitar
fumar era o único impulso vital
que nos era permitido
além de lavar a loiça do jantar

havia cinza
e copos vazios sobre a alcatifa
o fumo subia até ao tecto
e os livros ficavam marcados com contas por pagar
havia fumo cá dentro e frio lá fora,
nas noites em que te perguntava
se eu cair, levantas-me

9.11.11

primeira discussão


olha, olha uma flor
a flowering plant
so white
so cold
and green, my love
vamos ao campo apanhar flores
a flowering plant
so white
and green
mas não agora
que chove torrencialmente
my love, como é bela uma tempestade em pleno campo
com certeza, mas no campo não há paragens
de autocarros
para nos beijarmos
as tempestades são sempre belas
e no campo as folhas dos livros ficam húmidas no Inverno
o campo tem imensos defeitos
que bom, my love
desfazer entre as tuas mãos
as folhas dos livros
no Inverno