28.11.08

reforma

"Diz que se vai embora. Finalmente digo eu. Não é que eu tenha alguma coisa a apontar-lhe. Sabes que a mim desde que não se metam comigo eu também não me meto com ninguém. Ontem chegou ao pé de mim e disse-me: ah, depois do Natal já não venho, já fui tratar dos papéis e em passando o Natal já não venho. Digo eu assim, olha, ainda vais ter muitas saudades nossas. " (isto era A a falar; agora B:) "Você disse isso? A ver se arrumamos uma prendinha para lhe dar. Vi uma canequinha muito legal, com umas estrelinhas e o Pai Natal e aqueles animais, como é que vocês chamam aqueles animais?" A: "Renas. Lá no Brasil como é que vocês dizem?" B: "Renas. Ela vai ficar onde, volta para a terra?" A: "Não, fica cá, ela vive na Pontinha, para onde é que queres que vá? Pronto, com todo o seu feitio, 'tá bem, mas cada qual é como cada qual, mas eu até gosto dela".

No fim, A tirou um, dois, três guardanapos de papel do suporte e limpou as mãos.

27.11.08

esta é a cabeça

No domingo fui ao Museu do Azulejo e comprei um livro em "rebaja". Um livro preto e bonito, em papel de 115 gramas e ilustrado com páginas do testamento de D.João II e coisas do género. Mas do que eu mais gostei foi do título: "Esta é a cabeça de São Pantaleão". Que belo título, não me ocorria mais nada que exclamar e exclamei: "Esta é a cabeça de São Pantaleão". Abri o livro na página 21 : "Ao contrário das sociedades modernas que expulsam os mortos do mundo dos vivos, os homens e as mulheres da idade média conviviam naturalmente com os mortos, atribuindo-lhes um papel determinante na comunidade". E continuava, continuava sempre, enfim, uma coisa mesmo à maneira da minha obsessão com a morte. E agora deveria escrever, como se estivessse no século XIX, o meu verdadeiro século, "tanto bastou para que o tivesse comprado". Não, não e não. Comprei-o por causa do título, assim é que é: "Esta é a cabeça de São Pantaleão". É ou não é um título bestial?

26.11.08

ar quente

O sol sobre o braço, dobrado, reparei por casualidade e desviei o braço dobrado sobre o lençol. Facilmente reflectiu o sol e o calor subiu por mim. Olhei para o terraço e tentei calcular quanto tempo ainda tinha. Deixei-me ficar.

25.11.08

a capa

O cão tinha uma capa e uma trela na boca. A dona tinha uma capa e um cigarro na boca. Ambas as capas eram negras como os tubos do esgoto. Quanto à trela e ao cigarro não se verificava nem a similitude nem a desajeitada metáfora: a trela era encarnada e o cigarro era branco, incluindo o filtro.

Atravessaram o relvado da Alameda, que é verde. O céu não estava azul como nas manhãs inspiradoras, estava cinzento. Ameaçava chuva, portanto. Desejei praticamente e com todas as minhas forças que a carga de água chegasse e que nem a capa de um nem a do outro servissem para coisa alguma.

Caso não tenha ficado explícito: não suporto cães com capas, ou capinhas como os donos preferem nomeá-las, no intento desesperado de adequar a semântica ao tamanho dos seus melhores amigos. Só isso justifica que, apesar de desprovida de guarda-chuva ou qualquer sorte de capa ou capinha, tenha ficado subitamente feliz quando começou a chover.

24.11.08

o curso

É verdade. Madame Castafiori perguntou-me : "Não se quer inscrever num curso de optimismo?" Eu aguento muita coisa de boca calada como os polícias no meio do trânsito mas, francamente, até quando me continuarei a rir para não entrar no insulto, pensei. Castafiori deve ter intuido a minha indignação - como a própria diz, tem uma intuição incomparável - porque acrescentou, voz colocada, séria, disponível, como se a idiota fosse eu: " Não se ria. Acabei de ver na internet."

12.11.08

inícios (21)

La réponse de M.Le Marquis de Croisemare, s'il m'en fait une, me fournira les primières lignes de ce récit. Avant que de lui écrire, j'ai voulu le connaître. C'est un homme du monde, il s'est illustré au service; il est âgé, il a été marié; il a une fille et deux fils qu'il aime et dont il est chéri. Il a de la naissence, des lumières, de l'esprit, de la gaieté, du goût pour les beaux-arts, et surtout de l'originalité.
La Religieuse
Denis Diderot (1713-1784)

9.11.08

a questão

O Senhor Pulido, Vasco Pulido Valente, escreve no Público. Sempre embirrei com ele. Já escreveu no DN, no Independente, no Tempo. Sempre embirrei com ele. Nada de original. Felizmente, o Senhor Pulido está-se a marimbar para nós. Ontem escreveu sobre o caso BPN. Chamou-lhe "Uma Questão de Estado". Só pelo título uma pessoa percebe logo que, se ler, fica a pensar melhor. Não é difícil adivinhar que é por isso que o leio desde sempre.

"Se a justiça portuguesa não desembaraça rapidamente a tremenda meada do BNP, se não apura rapidamente responsabilidades sem respeito ao estatuto e posição seja de quem for e se não julga e pune rapidamente os culpados, prova, proclama e fundamenta a corrupção do Estado. Existe uma diferença entre o que sucedeu no BPN e um assalto a uma ourivesaria".

6.11.08

E vá lá

Acabei de chegar. Nos próximos dias darei notícias e as fotografias (que faltam). Et voilà ou, como dizia insistentemente a portuguesa de Melgaço que me apresentou Oscar Wilde em Père-Lachaise - pelo menos tão insistentemente como os franceses dizem voilà -, o filme está feito, eu estou viva, e "vá lá".