Adormeci no sofá. Estava a ler as cartas de Virgínia Woolf, uma carta, quando adormeci. Acordei minutos depois - quinze, vinte? - e pareceu-me ouvir uma sonata, pareceu-me ouvir as últimas notas duma sonata para piano, naquela altura em que o pianista abandona os dedos, abandona as teclas, e todos nós fechamos intimamente os olhos. Bom, seja como for, pareceu-me uma sonata. Eu acho que reconheço uma sonata e gosto bastante da palavra sonata.
A sonata estava no fim. As notas a desvanecer-se, eu com a cabeça enterrada entre duas almofadas, um despertar quase perfeito, não fosse o frio que sentia no ombro direito, não, no ombro esquerdo, inadvertidamente destapado. Pormenor do ombro entre parêntesis, o acordar era perfeito, tal como, aliás, o adormecer já o tinha sido: a carta, eu a ver a Nicole Kidman a fazer de Woolf, uma carta do Verão de 1928, ainda tenho a página marcada: "Observo com interesse a instabilidade dos meus sentimentos em relação à França. Leonardo diz que não pode ir. Mas, como anjo que é, acrescenta - mas vai com a Vita. Depois faz de maneira - sem proferir uma única palavra nesse sentido - que eu compreenda quando, sem mim, ele se sente só de um modo insuportável. Chegados aqui eu desisto, até que, de repente, começo a dizer para mim própria que tudo isto é de um sentimentalismo pouco salutar. Mesmo assim, eu irei, depois, imagino-me a dizer-lhe adeus - e já não posso; até ao momento em que vejo um rochedo num vale, Vita numa pousada; e digo, outra vez, que devo ir. E assim por diante."
A dura realidade é que não havia sonata nenhuma. Soube-o mal olhei para a televisão, ecran escuro, escuro; o aparelho estava desligado, nada de mezzo como muitas vezes acontece quando o sono chega, música clássica e vida selvagem são os meus canais preferidos quando o sono chega. Desta vez a música vinha directamente da minha imaginação e na minha imaginação só há sonatas e pouco mais. Foi uma enorme decepção.