23.11.09

sensibilidades

- Ainda há curso de Botânica nas Universidades?
Foi assim que Castafiori me interpelou ontem há noite. Eu estava quase a deitar-me, estava cansada, estava chateada. E também não gosto que o telefone toque a partir das onze. Respondi.
- Não sei. Jardins botânicos sei que há.

Castafiori ignorou o meu tom e continuou, o que, como se verá, pode ser perigoso.
- Estava aqui preocupada com a evolução das plantas. Será que a linha evolutiva das plantas é a mesma que a do homem?

Eu fiz de conta que não percebi, o que não andava longe da verdade, mas ela continuou:
- Sabe como me custa adormecer com uma pergunta na cabeça e todo o dia a pergunta de vez em quando, zás, a aparecer-me, 'tá a ver?
- A um domingo?
- O que é que tem o domingo, não é um dia igual aos outros?

Sinceramente, já começava a ser demais.
- Não, é domingo.
Disse eu, e contei com que qualquer pessoa perceberia que eu não estava com disposição para conversas. Nunca me passou pela cabeça que Castafiori me respondesse:
- Sabe, se ocupasse a sua mente com coisas mais importantes que jogos de palavras talvez conseguisse fazer alguma coisa da sua vida!

Ora bem, também eu tenho a minha própria sensibilidade. Contive-me, apesar disso.
- Isso é uma crítica?
- Não, mas gostava que por uma vez respondesse a sério.
- Ai é? Então olhe: Darwin, esse nome diz-lhe alguma coisa? E a viagem do Beagle, etc , etc?
- Etc, etc? Mas você está mal disposta?
- Por acaso até estou. Hoje é domingo e o Benfica perdeu.
- Ah, já me podia ter dito, não é? E perdeu com quem?

"Já chega! ", pensei, era o que me faltava perder e ainda ter de falar de futebol com Castafiori, daqui a nada está-me a pedir para lhe explicar a lei do fora-se-jogo. Respondi secamente:
- Com o Guimarães, para a Taça.

Preparava-me para me despedir e deixar o incidente desvanecer-se por si. Castafiori não conhece, porém, qualquer espécie de silêncio tácito. Por isso, ouvi-a dizer:
- Que se lixe a Taça. Durma bem.