"De repente, alguma coisa coisa se despedaçou no ar imóvel e uma rajada violenta rodopiou pela estepe, rugindo e assobiando. Um murmúrio saiu das ervas e dos arbustos secos do ano anterior. A poeira elevou-se em espirais na estrada, fugiu através da estepe, arrastando atrás de si palhinhas, libélulas e penas e ergueu-se para o céu numa coluna negra impetuosa que obscureceu o Sol. Através de toda a estepe, flores de cardo voaram em todos os sentidos, oscilando e saltando; uma delas foi apanhada no turbilhão. Volteou como um pássaro, elevou-se no céu, onde se tornou um ponto negro, para depois desaparecer completamente. Uma outra seguiu-a, depois uma terceira, e Iegoruchka viu duas delas chocarem-se no céu, agarrando-se, como para se baterem em duelo."
Acabei "A Estepe", de Anton Tchekov. Tchekov escrevia de tal maneira que até a sua morte parece escrita por ele. "Tchekov continuou a respirar com dificuldade. O médico mandou um dos estudantes buscar oxigénio. - Não vale a pena - disse Tchekov. - Estarei morto antes de eles chegarem. Então o médico mandou vir champanhe. Tchekov pegou no copo, voltou-se para Olga Knipper e disse sorrindo: "Há muito tempos que não bebia champanhe." (in "Tchekov" , de D.Magarshack, colecção grandes biografias, editorial aster).
Desde que a minha mãe morreu que a noite de Natal passou a ser para mim uma pequena tortura. Lembro-me sempre da morte e dos que já morreram. E amarrado a isso vem o rol das coisas que não correram bem, os ventos que não sopraram, as miragens que não soube reter. Na noite de Natal os fantasmas divertem-se comigo que nem uns alarves. Mas hoje à noite vou comer faisão e eu nunca comi faisão. Por isso, vou fazer um esforço e sempre que um fantasma aparecer vou lembrar-me do Sebastião, o neto dos donos do restaurante onde almocei e que me contou que fez de rebuçado na festa da sua escola.