7.11.03

viagem à natureza

Quando o dia de folga é durante a semana vou sempre ao banco e ao lidle. Nesse dia resolvi também fazer uma viagem à natureza.

Saí do hotel à hora em que o sol deixa a piscina. Sigo ao longo do rio em direcção ao mar. Jordan & Nunn landmark, sinais de stop e cataplanas xxl. Encontro o bomba superliga quase debaixo da última ponte e eis-me na Rua das Salinas. Vêm-me à memória “A um Deus Desconhecido”.

Um enorme placard publicitário anuncia “o último paraíso”. Por detrás, uma antiga fábrica. Interroga-me se terá alguma coisa a ver com Jordan & Nunn landmark. Vigilante, a um dos portões surge um jovem gato. Faço o melhor que posso: o melhor sorriso, o melhor olá. Nada. Não obtenho resposta. Apenas uns olhos espantados e um recuo estratégico. Vá lá, vá lá, não fugiu. Adeus gatinho. Contorno uma baia direccional. Há água dos dois lados da estrada. Na curva, aproxima-se o comboio turístico em sentido contrário ao meu e eu aproximo-me cada vez mais da natureza.

Há muito que deixei a Rua das Salinas mas isso não impede que me lembre de “O Leopardo”. Adiante. A linha do horizonte, a vegetação mediterrânica, a água e, confesso, mesmo as nuvens, vão tomando conta do cartão de 64MB da câmara digital. Avisto uma cadeira de verão que jaz no meio da água. Enquadro um pouco indecisa, tantas as possibilidades de belo efeito. Disparo. Nada satisfeita, afasto-me do objecto e quando vou para reenquadrá-lo eis que leio no visor “mémoire insuffisante” (o menu em francês é a minha pequena homenagem a Proust). Mas quem me conhece sabe que eu nunca iria para uma viagem à natureza sem estar prevenida quanto baste. Saco, pois, do cartão de 32MB. Hesito na resolução. Não. Aquela cadeira merece a mais alta resolução. Mas a natureza é indomável. Nessa altura uma nuvem tapa completamente o sol e sem luz não há palhaço. Um passarinho piu-piu começa a enervar-me.

Espero. Atrás de mim passa um automóvel da categoria de ligeiros a ultrapassar o limite máximo de velocidade instantânea. Aproveito para fumar um cigarro desactualizado (diz simplesmente “os menores não devem fumar”). O sol liberta-se da nuvem e eu volto à minha cadeira. Já está.

Continuo na direcção ao mar. Mas é nos detalhes que mora o segredo da viagem e eu substimei os detalhes. É certo que cheguei a tempo do último barco mas como sou a última e única passageira
e do outro lado já não há passageiros, o homem do leme traça-me o destino em duas penadas: se quiser ir, pois vá, vá, mas mal terei tempo de pôr o pé em terra porque ele regressará logo a seguir. As contas não eram difíceis de fazer: eu não poderia exclamar como pensei durante todo o caminho: Ah! O mar! Que espectáculo colossal. “Venha cá amanhã”. “Amanhã não posso, estou a trabalhar”. Boa tarde, mar. De modo que volto para trás, vejo o sol a pôr-se por detrás de uma palmeira e lembro-me estupidamente de “Palmeiras Bravas”.

Passo pelo placard ao pé da antiga fábrica e traduzo quase instintivamente: “the last paradise”. Procuro o jovem gato e não o vejo. Estou outra vez na Rua das Salinas. Vêm-me à memória “A um Deus Desconhecido”. Hora mágica. O letreiro da galp já está iluminado e eu gasto o último MB desta viagem porque se há coisa bonita neste mundo é uma bomba de gasolina iluminada.

Já na cidade, entro numa mercearia, taberna, drogaria e, até, um pouco estância que me faz lembrar a minha infância. Não há Ventil Ligth e compro um ramo de oregãos. E assim quando entrei no cybercafé trazia dentro da mochila a natureza. Ainda ali está, no bolso exterior do saco de viagem.