21.2.08

inconfidências

Na viagem para lá, fiquei sentada em frente a um político. Não o reconheci logo. Falava ao telemóvel para uma rádio, ou para uma televisão onde passam rádio com legendas. Entretanto, a chamada caíu. Segundo ele, aquele comboio não devia estar preparado para tal grau de telecomunicação. Isto por palavras minhas. Não sei porquê, pensei, ao preço a que são os bilhetes não se percebe porque caem as chamadas. Mas como eu não era para ali chamada, nada disse. Não disse mas pensei: 30 euros de Lisboa a Coimbra, fosca-se, como diz a criança do rés-de-chão. Mas a culpa foi minha que perdi o comboio dos desabonados. Não quero usar a palavra pobre. Caiu em desuso e, além disso, faz-me impressão. Mas isto eu não disse ao político. Aliás, não disse nada. Aquele não era o sítio para me lamuriar por causa de 30 euros. Um euro e meio por quilómetro. Pensando assim, nem parece muito.

Há coisas piores. Exemplo: as coimas de trânsito. Exemplo: a factura da electricidade no Inverno. E finalmente, exemplo dos exemplos: o preço dos espectáculos da Pina Bausch. Vou parar os exemplos, antes que os caminhos de ferro me ofereçam emprego. Exemplo: relações públicas. O político despiu o casaco e abriu o laptop. Ou já estaria aberto, não posso jurar. Entre jornais e revistas, havia 2 envelopes dobrados na mesa. Num deles detectei o logotipo parlamentar. Estava confirmado o ramo. Mas o meu estágio de detective não.

Continuava a faltar a identidade. O nome estava do outro lado do envelope, do lado dobrado. Tremi quando o político começou a rasgar papéis. Quase desesperei. Mas antes de chegar a Pombal finalmente consegui ler o nome. Pois claro. De repente, todo o meu esforço me pareceu inútil. Conheço o homem para aí há uns 30 anos, isto para rimar com os 30 euros. Não vou revelar segredos de estado mas sinto que não será muito censurável- e se for, conto com a atenuante deste largo convívio - e vou confidenciar duas palavras usadas na declaração presumidamente radiofónica do político que viajou à minha frente no comboio alfa: nostalgia e esteriotipo. Mais umas palavras assim e acabo a votar nele.