25.6.07

paragem

Tinha o costume de subir a rua sempre pelo lado direito. Se nesse dia não tivesse escolhido o lado esquerdo, não a tinha visto na paragem, encostada ao poste, a fumar um cigarro como os do Eça de Queiróz, um cigarro pensativo. E se não a tivesse visto ali parada no passeio, onde parecia plantada mas que de facto mais não era que a posição de balanço para o voo que se seguiu, não lhe teria dito as experimentadas palavras 'pode-me dizer as horas'. Ela não estava preparada para ouvi-las, estava à espera doutras, e isso lhe explicou: 'pensava que me vinha pedir lume'. 'Não, não fumo', disse seguro de si, o que também não era para admirar porque de facto nunca fumara, mas dessa segurança terá nascido o atrevimento do comentário consequente:'não fumo, mas não me importo'. Ela sorriu, não sabia se um sorriso como os do Eça de Queiróz, os sorrisos não tinham sido dados na escola, só os cigarros, sorriu e disse: 'também não era por isso que lhe ia deixar de dizer as horas'. E ele com a frase ainda no ar: 'Mas ainda não disse'. Ela levou o dito à letra, ou fingiu que levou, e procurou algo no fundo duma daquelas míticas malas femininas, onde o menor dos volumes é composto por 24 cartões magnéticos, e acabou por dizer: 'Não encontro'. Isso causou uma pequena decepcão tanto nela como nele. Talvez por saber que as pequenas decepções se podem tranformar em grandes, ela não deixou de acrescentar: 'Pode ficar para amanhã ?' Ele não teve tempo para pensar na resposta mas ela teve tempo para pensar o quão estúpido era dizer as horas no dia seguinte e isso só podia significar uma coisa.