Os passos no soalho não enganavam: alguém viera habitar o andar de cima. Mas quem? A resposta veio célere. Nessa mesma noite, a primeira depois de férias, viu o homem à janela, iluminado pelo anúncio da farmácia que, por sorte, cumpria serviço noctuno. Não vislumbrou mais do que um queixo quadrado envolto numa espiral de fumo mas foi o suficiente. Alguém viera habitar o andar de cima.
No dia a seguir, quando regressava do mini preço e arrastava consigo três sacos e um garrafão de água do fastio, dois outros elementos, pode mesmo falar-se em factos, vieram, todavia, reabrir o processo. Por ordem alfabética: a) um bilhete de comboio suburbano, caído no penúltimo degrau antes do seu próprio patamar (bilhete inteiro, ida, início da viagem até 11:39, Lisboa SA- Amadora, 2 zonas, 1,10 eur, etc., etc.); b) um cheiro intenso a churrasco relativamente indefinido, talvez febras, talvez entrecosto, até entremeada, fosse o que fosse fez-lhe ali mesmo crescer água na boca e deu-lhe muito que pensar.
Seria casado? E que raio andaria a fazer no dia anterior na Amadora à hora de almoço? Era pessoa para ter comido um duplo cheeseburguer no babilónia? E que mulher era esta que não o deixava fumar em casa? E que homens são estes que deixam que as mulheres não os deixem fumar em casa?
Quando pousou os sacos na bancada da cozinha respirou fundo e sentou-se na cadeira desengonçada que há anos atravancava a porta para a marquise. Apetecia-lhe almoçar fora, sei lá, umas febras, um entrecosto, até uma entremeada. Mas o red fish já estava descongelado, verificou com pena e seguiu para a sala onde consultou numa revista a programação da tv cabo. Nisto pôs-se a escutar os passos no soalho. Os passos no soalho não enganavam: alguém viera habitar o andar de cima.