4.3.05

declaraçao de amor

Encontravam-se todos os dias na paragem. Bem, quase todos os dias. Já tinham chegado à fala. Bem, falado, falado, 'tás a ver, a coisa era mais feita de olhares. 'Tás a ver, uma coisa à socapa. Mas naquele dia estava decidido. Eram oito e trinta e cinco e tinha fumado quatro cigarros e meio. Mais coisa menos coisa.
Ele estava, então, decidido. Tinha ensaiado umas frases, bem, frases, frases, eram mais umas palavras. Também não era preciso exagerar, só precisava de lhe dizer que gostava dela, - gostava como?-, quer dizer que a curtia, que a gramava e que ela era gira, 'tás a ver, uma miúda gira.
Quando ela chegou à paragem sorriu-lhe. Não havia tempo a perder. E se não havia tempo a perder era melhor começar a conversa. Na paragem, houve quem tivesse ouvido o seguinte:
- Tem estado um frio!
Depois de puxar por mais um cigarro:
- Tem estado mesmo frio.
Depois de ter revirado todos os bolsos à procura do isqueiro:
-Nevou na terra da minha mãe. Pelo menos foi o que a minha avó disse ontem, 'tás a ver, quando a minha mãe telefonou. Olha aí vem o 6.
Ciao, diz ela. E põe-se na fila para entrar. Quando vai quase a entrar, vira-se e diz-lhe:
-Já viste cair neve?
Ele não soube bem o que responder, não tinha planeado uma reacção daquelas, mas quando o autocarro deu a curva tomou consciência da totalidade da situação, 'tás a ver, foi como se ela tivesse dito que sim, que também gostava dele.