18.8.11

agosto sob influência: thomas bernhard


O FRIO AUMENTA COM A CLARIDADE (1965)
"Respeitável público:
Não consigo achar graça ao vosso conto dos Músicos de Bremen, não quero contar nada, não quero cantar, não quero prégar, mas uma coisa é certa: já não é tempo de contos, sejam sobre cidades, sobre Estados, sejam científicos ou até mesmo filosóficos. Acabou-se o mundo dos espíritos. O próprio universo deixou de ser um conto. A Europa, a mais bela, está morta; eis a verdade e a realidade. A realidade, tal como a verdade, não é um conto, e a verdade nunca foi um conto. Há cinquenta anos a Europa ainda era um verdadeiro conto de fadas. Nos dias de hoje, muitos ainda vivem nesse mundo de conto de fadas, mas esses vivem num mundo morto, e aliás trata-se de mortos. Aquele que não está morto vive, e não nos contos; esse não é um conto.
(...) Viver sem contos de fadas é mais difícil, por isso é tão difícil viver no século XX. (…) Estamos no território mais espantoso de toda a História. Estamos aterrados, e aterrados enquanto material monstruoso do homem novo e do conhecimento novo da natureza, da renovação da natureza. Durante este meio século, todos nós não fomos mais do que uma grande dor; esta dor constitui-nos; esta dor é agora o nosso estado de espírito. (...)
(...) Agora colocamos muito alto as nossas exigências, que nunca nos parecem suficientemente elevadas. Nenhuma época colocou tão alto as suas exigências como a nossa; existimos já na loucura das grandezas; mas como sabemos que não podemos cair nem morrer de frio, não temos dúvidas em fazer o que fazemos. (...)
(...) Conhecemos agora as leis da natureza, as Altas Leis infinitas da Natureza, e podemos estudá-las na realidade e de verdade. Já não estamos reduzidos a hipóteses. Quando olhamos a natureza já não vemos fantasmas. (...) Tudo será claro, de uma claridade cada vez mais alta e sempre mais profunda, e tudo será frio, de um frio cada vez mais espantoso. A impressão de um dia sempre claro e sempre frio é o que nos reserva o futuro.
Agradeço a vossa atenção."

do discurso pronunciado em Bremen na entrega de um prémio literário; Thomas Bernhard, escritor de língua alemã; austríaco, nasce na Holanda em 1931, morreu em 1989; legou-nos uma obra extensa e dura, da qual só conheço bocadinhos.