24.8.11

agosto sob influência: francis bacon

- Eu não desenho. Começo por fazer toda a espécie de manchas. Aguardo aquilo que se chama o "acidente": a mancha a partir da qual o quadro vai surgir. A mancha é o acidente. Mas se nos agarramos ao acidente, se cremos entender o acidente, estaremos ainda a fazer ilustração, pois a mancha assemelha-se sempre a qualquer coisa.
"Não se pode querer entender o acidente. Se pudéssemos compreendê-lo, compreenderíamos igualmente o modo como iríamos agir. Ora esse modo como vamos agir é o imprevisto, que é sempre incompreensível: it's basically the technical imagination, ou seja, "a imaginação técnica". Tenho procurado muito como chamar a este modo como vamos agir. Nunca consegui encontrar melhores termos que esses: imaginação técnica.
"Compreende, o motivo é sempre o mesmo. É a modificação operada pela imaginação técnica que pode fazer com que o motivo "se transforme" ao nível do sistema nervoso pessoal.
"Imagine cenas extraordinárias, isso não é absolutamente nada importante do ponto de vista da pintura, isso não é imaginação. A verdadeira imaginaçãoé construída pela imaginação técnica. O resto é a imaginação imaginária e que não conduz a lado nenhum.
"É por essa razão que eu não consigo ler Sade. Desagrada-me completamente, aborrece-me. O mesmo acontece com alguns escritores mundialmente conhecidos, cujas obras eu já não consigo ler. Limitam-se a escrever coisas que não passam de histórias sensacionais. Mas desconhecem a sensação técnica.
"É sempre com os meios técnicos que se encontram as verdadeiras saídas. A imaginação técnica é o instinto que trabalha fora do âmbito das leis para, em conjunto com a força da Natureza, transformar o motivo ao nível do sistema nervoso.
"Há alguns jovens pintores que apanham um bocado de terra e vão, em seguida, expô-lo numa galeria de pintura. Isso é um disparate e denuncia a falta de imaginação técnica. É interessante que sintam o desejo de mudar o motivo, ao ponto de virem a fazer isto: arrancar um bocado de terra e colocá-lo num expositor. Mas o que seria necessário é que a "força" com que extraem a terra se "modificasse". Que o tal pedaço de terra seja arrancado, sim, mas arrancado ao seu sistema pessoal e trabalhado com a sua imaginação técnica.

entrevista com Marguerite Duras, La Quinzaine Littéraire, 1981