13.4.11

navegação

Ficas a olhar, truz, emissão, truz, eclipse, truz, emissão, eclipse; contas, percebes o padrão, emissão, tantos segundos, eclipse, tantos segundos; e pensas: aquele é o farol do cabo da roca.

12.4.11

um saltinho ao guincho





11.4.11

Solilóquio de Segismundo

Sueña el rey que es rey, y vive
con este engaño mandando,
disponiendo y gobernando;
y este aplauso, que recibe
prestado, en el viento escribe,
y en cenizas le convierte
la muerte, ¡desdicha fuerte!
¿Que hay quien intente reinar,
viendo que ha de despertar
en el sueño de la muerte?

Sueña el rico en su riqueza,
que más cuidados le ofrece;
sueña el pobre que padece
su miseria y su pobreza;
sueña el que a medrar empieza,
sueña el que afana y pretende,
sueña el que agravia y ofende,
y en el mundo, en conclusión,
todos sueñan lo que son,
aunque ninguno lo entiende.

Yo sueño que estoy aquí
destas prisiones cargado,
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.

Pedro Calderón de la Barca
"La Vida es Sueño"

9.4.11

Tarde com sol

As coisas simples dizem-se depressa; tão depressa
que nem conseguimos que as ouçam. As coisas
simples murmuram-se; um murmúrio
tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém.
As coisas simples escorrem pela prateleira
da loja; tão ao de leve que ninguém
as compra. As coisas simples flutuam com
o vento; tão alto, que não se vêm.

São assim as coisas simples: tão simples
como o sol que bate nos teus olhos, para
que os feches, e as coisas simples passem
como sombra sobre as tuas pálpebras.

Nuno Júdice 

8.4.11

sexta-feira de madrugada

as madrugadas de sexta-feira são iguais às outras: não durmo e isto está-se a transformar numa enorme chatice. as manhãs passo-as numa batida quase electrónica. durante a tarde fecho os olhos se não me mexo durante 48 fotogramas. quero adormecer ao sol e respirar pelo nariz. talvez na sexta-feira que vem.

7.4.11

o problema das quintas-feiras

O problema das quintas-feiras é que calham a seguir às quartas. Às quartas há aula de tai-chi. Ontem foi quarta. A aula de tai-chi foi sobre murros. Duas horas de murros. Dois tipos de murros. O murro da serpente, a grande sabida,  e o murro do tigre, sempre o maldito tigre. Desenvolvo: o murro da serpente é um murro venenoso: é dirigido à cana do nariz e dado com os nós dos dedos. Estamos entendidos?!  O murro do tigre é bem mais simples: é para partir tudo. Dividem-se em curtos e longos, exactamente murros curtos e longos, ou, se preferirmos, curtos e longos murros. Em qualquer deles, não esticar por completo o braço. Mas never, never. Já vos disse que o tai-chi é uma arte marcial? Não há cá mais ou menos. Não damos um murro mais ou menos, nem um murro é mais ou menos curto, nem fugimos mais ou menos, nem fugimos de mais, nem fugimos de menos. Se fugimos, fugimos, se damos o murro, damos o murro. Assim!

6.4.11

quarta-feira de areia

Começei esta quarta-feira a limpar merda de gato. O dia ainda não tem uma hora e eu já fui posta à prova de diversas maneiras, a começar pela caca de gato, vá, caca em vez de merda, às meninas tudo é permitido até utilizar a palavra caca em vez da palavra merda. Acontece, porém, que nem quarta-feira é, pelo menos para mim, que ainda não me deitei, e enquanto não me deitar não muda o dia, ainda não é quarta, é terça. Só que me dá jeito despachar já o post da quarta-feira e é essa a única razão para hoje ser quarta-feira.
Estou acordada, contra o que é hábito, porque ainda hoje, terça, tenho de escrever uma merda, ou caca, vá, até amanhã, quarta. Acontece que, às vezes, escrever dá-me fome. Às terças dá-me fome. E às quartas também. Portanto, enquanto escrevia aqui uma bela proposição fui pensando, ora o que é que eu tenho para comer sem ser espinafres e agriões, já sei, um iogurte natural, cortado com um niquinho de doce de cereja, e uma tangerina de sobremesa, ou então como sopa, sopa não, já comi sopa ao almoço, sopa ao jantar, 'tá bem que já há uns dias que não comia sopa, mas não, sopa não, não e não, não quero sopa. Entretanto, acabei a proposição, que me pareceu muito jeitosinha, modéstia à parte, e levantei-me para ir à cozinha e pensei, quando voltar, tiro o parêntesis à proposição e já está, anda bobi que já enganámos mais um. 


Entusiasmada, cheguei à cozinha e veio-me um cheiro da marquise que alto lá com ele e disse de mim para mim, putas das gatas têm sempre que ir cagar quando eu venho comer. E foi desta maneira, pouco gloriosa, pronto,  que me vi na circunstância de ter começado uma quarta-feira, que ainda é terça, a limpar merda de gato. Assim não há proposição que aguente, por mais jeitosinha que seja como, modéstia à parte, repito, é esta: o desejo de saber transforma a verdade numa coincidência.

5.4.11

é terça-feira

É terça-feira, feira da ladra, trá lá lá, qualquer coisa de madrugada. É isto que eu sei sobre as terças-feiras. Não. Sei mais uma coisa: à terça-feira, lá em Évora, era quando se negociavam os porcos na Praça do Giraldo. Eu ia para o liceu e via os homens a pôr a carteira no bolso de trás das calças ou no bolso interior da samarra, no inverno. Era a carteira do dinheiro. Ainda hoje quando vejo uma carteira a abarrotar pergunto ao dono, ou à dona, se foi à Praça do Giraldo vender porcos. As pessoas geralmente não percebem. Ou porque, se conhecerem, conhecem a Praça do Giraldo só de ver ou porque têm a carteira a abarrotar, sim, mas de papéis e cartões de plástico. E voilà, é tudo o que eu sei sobre a terça-feira. Ainda fui à net ver a letra - lyricstime.com/s-rgio-godinho-ter-a-feira.html : "é terça-feira, e das cinzas talvez, amanhã que é quarta-feira -".

Amanhã que é quarta-feira?! Ai que está a acabar o prazo!

4.4.11

segunda de manhã no café

Entrei no café e cheirou-me a naftalina. Não será o cheiro da Primavera ideal mas uma pessoa tem de se habituar a tudo. Assim por alto foi  o que pensei enquanto me sentava. Mas mal me sentei, dei início à investigação. Fiz um scanne em baixa resolução. Fixei-me num ponto. Só tive de habituar os olhos ao efeito de contraluz da manhã ao atravessar a vidraça. As minhas suspeitas recairam em duas criaturas que ocupavam, frente a frente, uma das mesas do fundo. Uma trazia um casaco roxo, muito apropriado à quaresma, outra umas calças a imitar pele de leopardo. Recuei. A minha intuição raramente falha.

2.4.11

o rossio ao sábado de manhã


 


28.3.11

toda a tarde ouvi chopin

Ao ver-te tão triste, procurei uma folha de papel. Fiz uma lista das vantagens de ver-te triste. Imediatamente escrevi "vi-te". Depois de uma hora inteira em frente à folha, verifiquei que o branco não parava de ficar branco e desisti. Não gosto de te ver triste.
(primeira versão)
Vi-te triste e corri e rasguei precipitada uma folha quadriculada do meu caderno preferido. Fiz uma lista das vantagens de te ver triste. Lançei-a em voo picado sobre os telhados. Não gosto de te ver triste.
(segunda versão)
Quando te vi triste sábado de manhã, fiz uma lista das vantagens de te ver triste. Risquei-as uma a uma a tarde inteira. Não gosto de te ver triste.
(terceira versão)
Escrever e voltar a escrever. Escrever é voltar a escrever.

25.3.11

oratória

(ainda não são sete horas e já o raio da gata está aqui miau, miau, miau). cala-te, mia! os humanos  precisam de acordar, os gatos precisam de juízo, os blogues precisam de posts, o céu precisa do sol, os pássaros precisam da nossa varanda. (aqui a mia cala-se e arrebita as orelhas)

23.3.11

o corvo marinho

Hoje na aula de tai-chi estive a soltar o corvo marinho que há em mim. Um belo corvo marinho a apanhar sol nas asas foi isso que eu fui durante para aí um minuto, mais coisa, menos coisa, o suficiente para ter ficado toda partida.

Passo a explicar. Uma pessoa, isto é, antes de se tornar corvo marinho, tem de se pôr na posição de cavaleiro: afastar as pernas para além da medida-padrão, que é a largura das ancas, alinhar os pés, flectir as pernas, manter o coxis para dentro e sorrir. Em suma, ainda antes de se estar na posição, já o corvo marinho, pelo menos o corvo marinho que há em mim, estava sorridente, sim, mas um nadinha estafado. Depois vêm os braços, ou seja, as asas. Não sei se já repararam mas o corvo marinho não tem as asas esticadinhas como a águia, não, em cada asa do corvo podemos reconhecer um inolvidável triângulo invertido. Visto noutro ângulo, num ângulo mais vulgar, assustadoramente vulgar, significa que para além das pernas, também os braços ficam a doer como o caraças. Mas vale a pena. A estampa de corvo marinho em que de um momento para o outro nos transformamos vale o sacrifício do cavaleiro em triângulo. E tudo debaixo de uma ideia de harmonia para que o universo tende, penso, fechando os olhos. E foi desta forma que, enquanto corvo marinho, tive oportunidade de apanhar sol na confluência das asas, lá atrás, num ponto exacto da coluna. Mais ou menos aqui? Não, não, não é mais acima ou mais abaixo, nem mais para um lado ou mais para o outro, mas aqui, exactamente aqui. O tai-chi é uma arte marcial, minha senhora, não é mais ou menos aqui, ou ali, é aqui.

Só a precisão é bela, mesmo o caos é preciso, concluo, antes que o corvo marinho adormeça ao som das vagas do atlântico norte.

hesitação


"Desvio-me do caminho.
O verdadeiro caminho passa por uma corda que não está esticada a grande altura, mas muito próxima do chão. Parece estar ali para nos fazer tropeçar, e não para que se passe por cima dela."
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"Tens de enfiar a cabeça pela parede. Não é difícil atravessá-la, ela é de papel fino. O difícil é não nos dixarmos iludir pelo facto de que o papel já traz pintado, da forma mais enganadora, o modo como tu atravessas a parede. Isso leva-te irresistivelmente a dizer. "Mas não estou eu permanentemente a travessá-la?"

Franz Kafka
Parábolas e Fragmentos, trad.: João Barrento

22.3.11

la luna

no sábado, em frente à minha janela estava a lua e eu em frente à janela; é assim a ordem das coisas e só abrindo a janela a poderia alterar. com o frio com que estava, duvidei que o conseguisse; para além de eu não ser pessoa para alterar a ordem das coisas, quando muito altero as coisas, o que no caso era manifestamente pouco. então saí de casa. deixei de ter a janela à frente, mas ao deixar de ter a janela à frente deixei também de ter a lua. foi coincidência, é certo, mas coincidência verificada. só mais tarde a recuperei, a ela, à lua, por quem eu de casa saíra. nessa altura já era domingo e eu tinha sono.

21.3.11

voracidade

"roubaste-me o coração com um só dos teus olhares, com uma só jóia do teu colar" - o resto não fixei porque não podia fixar, e não escrevi porque não podia escrever, mas ouvi o padre dizer e isso eu fixei sem esforço: o cântico dos cânticos há-de ser sempre uma coisa que se diz ao ouvido

19.3.11

declaração de amor

- É pá, temos tantas palavras parecidas! Olha lá, como é que se diz amo-te em romeno?
- Te iubesc.
- Porra. Não há outra maneira de dizer isso?
- Te ador.

18.3.11

em dias assim

há dias em que se acorda com um palpite, que difere da palpitação por causa da terminação: enquanto o palpite tende para o momentoda sua verificação, a palpitação tende para o não-momento da sua repetição; mas ambos, palpite e palpitação, tendem para o infinito quando, em dias assim, se acorda com um palpite e uma palpitação

17.3.11

o fado mora em Lisboa

a visão da merda de cão nos passeios da cidade dá-me cabo dos nervos logo pela manhã. ah, Lisboa, Lisboa, que és tão linda, que és tão bela, nos bairros sempre à toa, vive a tristeza

16.3.11

stop

há pessoas que quando começam a falar não param, há pessoas que quando começam a rir não param, há pessoas que quando começam a espirrar não param; há pessoas que não param

15.3.11

concorrência desleal

Levantei-me cedo. Pus um disco a tocar no telemóvel, fiz-me ao caminho e caminhei. Parei nos sinais, olhei para a direita e para a esquerda, agradeci aos condutores que paravam nas passadeiras. Era domingo. Entrei no Museu do Azulejo. Já não escrevia há alguns dias. Precisava de escrever. Antes de escolher uma mesa, tirei umas fotos rápidas a uns peixinhos vermelhos que chamavam por mim. Senti-me prestável. Pedi um café e abri o "office", o meu caderninho chinês onde se pode ler, inscrito na capa, "enjoy your writing with Yixin products". E aqui é que se dá uma falha na minha memória, que só constatei horas depois quando quis reconstituir os acontecimentos, não sei, distraí-me, desconcentrei-me.
Talvez porque na mesa estava uma pequena jarra quadrada e eu espanto-me sempre diante de jarras quadradas, talvez porque o piano que me entrava nos ouvidos rimasse com as folhas de acanto que vira no jardim, o certo é que me distraí, desconcentrei-me, sei lá, e agora há uma falha na minha memória, provavelmente provocado por um trauma. O caso não é para menos: é que, quando dei por mim, na mesa ao lado estavam seis italianos, três homens, e três mulheres, cujo volume de voz - e eu sei lá se é volume, se é projecção, se é débito de conversação -, arrumou tudo em três tempos: os peixinhos vermelhos, o piano, a jarra, as folhas de acanto e o meu caderninho chinês. Enjoy.

14.3.11

ao calhas

tive preguiça de abrir o livro e ler e então procurei uma palavra ao calhas, e calhou-me: brecha, e agora estou perplexa e repito: brecha com um ponto de interrogação no fim

12.3.11

manifestação

o plot está a dar cabo do cinema

10.3.11

indicativo telefónico

Eu: Está? Ele: Sim? Eu: Desculpe, acho que me enganei. Ele: Mas com quem é que queria falar? Eu: Com a Margarida. Ele:Mas daqui fala a Margarida. Eu:Como? Ele:Eu sou a Margarida.

Conversa puxa conversa e, não nos casámos como na anedota, mas fiquei a saber que estava a falar para Macieira de Sarnes, Oliveira de Azeméis, etc, etc., e que o meu interlocultor, não sendo, acabou por confessar voluntariamente, a Margarida, não se importaria de ser, assim eu lhe continuasse a telefonar aos domingos depois de almoço.
Quanto a mim, só na terça-feira consegui falar com a Margarida.

9.3.11

yara

Os amigos improváveis são amigos como os outros mas partem mais de trás; e quando chegam, chegam ao mesmo tempo, e às vezes à frente. Os amigos improváveis são bestiais.

8.3.11

escola de samba

Também Castafiori se registou no Facebook. Gosta de viver no seu tempo. Como a invejo. Esta manhã, ao acordar, li a mensagem que me deixou: "Doem-me os ouvidos. Ontem fui parar a uma escola de samba na Abrigada". O mundo está perdido. Não sei como tive forças para saltar da cama.

7.3.11

os fotógrafos

Há passarinhos que chegam atrasados às árvores. São os mais difíceis de fotografar, disse o fotógrafo, Outros passam lá o tempo. Fotografa esses, pai, disse o filho do fotógrafo, mascarado de apicultor. Não, disse o fotógrafo que, esclareça-se, não estava mascarado, A gente gosta é dos primeiros. A gente, quem, pai? A gente, filho, nós, os apicultores.

6.3.11

beleza interior

(Diálogo no carro, entre mim e a Catarina, atrás, entre as crianças. Eu ia no lugar do morto.)

- Mas que relógio é esse que brilha tanto?
- É um Rolex.
- Um Rolex? Nunca tive um Rolex na mão. Empresta aí.
- Olha, mas atenção, aqui está escrito Casio, 'tás a ver, no mostrador está escrito Casio. Mas não ligues. Por dentro é um Rolex.
- Rolex por dentro e Casio por fora?
- É para não o roubarem. Não chama a atenção.
- ....
- A sério, está escrito Casio, mas por dentro é um Rolex.

4.3.11

foi assim

Foi assim que eu falei com ela. Cara a cara. Ela nem abriu a boca. Tem dívidas? E eu? Não tenho contas para pagar? Eu também tenho a minha vida, tenho medicamentos para aviar, tenho que comer, tenho que pagar a luz, tenho que pagar a água, o gás, a internet. Eu não ando todos os dias no cabeleireiro. Mas há quem ande. Ai há, há.

1.3.11

antes da montagem

faço sopa de courgettes com coentros como quem chama por mim, é isso que vou almoçar antes da uma da tarde, e depois, pergunto, não basta ter imaginação, pois não, raios partam a métrica