23.3.11

o corvo marinho

Hoje na aula de tai-chi estive a soltar o corvo marinho que há em mim. Um belo corvo marinho a apanhar sol nas asas foi isso que eu fui durante para aí um minuto, mais coisa, menos coisa, o suficiente para ter ficado toda partida.

Passo a explicar. Uma pessoa, isto é, antes de se tornar corvo marinho, tem de se pôr na posição de cavaleiro: afastar as pernas para além da medida-padrão, que é a largura das ancas, alinhar os pés, flectir as pernas, manter o coxis para dentro e sorrir. Em suma, ainda antes de se estar na posição, já o corvo marinho, pelo menos o corvo marinho que há em mim, estava sorridente, sim, mas um nadinha estafado. Depois vêm os braços, ou seja, as asas. Não sei se já repararam mas o corvo marinho não tem as asas esticadinhas como a águia, não, em cada asa do corvo podemos reconhecer um inolvidável triângulo invertido. Visto noutro ângulo, num ângulo mais vulgar, assustadoramente vulgar, significa que para além das pernas, também os braços ficam a doer como o caraças. Mas vale a pena. A estampa de corvo marinho em que de um momento para o outro nos transformamos vale o sacrifício do cavaleiro em triângulo. E tudo debaixo de uma ideia de harmonia para que o universo tende, penso, fechando os olhos. E foi desta forma que, enquanto corvo marinho, tive oportunidade de apanhar sol na confluência das asas, lá atrás, num ponto exacto da coluna. Mais ou menos aqui? Não, não, não é mais acima ou mais abaixo, nem mais para um lado ou mais para o outro, mas aqui, exactamente aqui. O tai-chi é uma arte marcial, minha senhora, não é mais ou menos aqui, ou ali, é aqui.

Só a precisão é bela, mesmo o caos é preciso, concluo, antes que o corvo marinho adormeça ao som das vagas do atlântico norte.