"P: Disse numa entrevista à Positif que o cinema o ajudou a ter uma consciência. Em que sentido?
R: Não foi isso que eu disse. Nesse tempo pensava que o único instrumento disponível era a consciência, que devíamos usar como uma ferramenta de trabalho. Algo como um bom Stradivarius, que tem que ser mantido com grande cuidado. Percebe-se depressa se o instrumento é mau, se soa fora de tom. O cinema não pode ajudar a manter este instrumento, e à medida que vai sendo utilizado o instrumento deteriora-se a pouco e pouco. A consciência é algo que temos de estar sempre a testar; de outra maneira não sabemos se a temos ou não. Uma das maneiras de testar a consciência é ter uma profissão que nos incite a perdê-la. O cinema é um ofício muito perigoso para a consciência. É como aquilo que aconteceu a Paganini quando teve que tocar só com uma corda. As outras tinham sido cosidas e, durante o concerto, rebentaram. Paganini continuou a tocar só com uma corda. Somos pressionados rumo ao conformismo, à deformação das nossas ideias e à sua adaptação às circunstâncias. às vezes somos obrigados, por falta de tempo, a negligenciar a clareza da linguagem, e tudo isto vai comendo a consciência. A pouco e pouco transformamo-nos num maestro preguiçoso, inchado de orgulho, altivo. E a nossa consciência diminui. É um bom exame, é como uma batalha constante. O cinema exige qualidades cavalheirescas."
"Otar Iosseliani"
Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema