Enterrada no sofá de Castafiori, jornal aberto, tédio à solta, ia desfolhando várias possibilidades de espectáculos. De vez em quando lia um título, um comentário, um horário, qualquer coisa que pontuasse uma "Traviata" de 58, cantada pela Callas no S.Carlos, e que já me estava a irritar. "O Estranho Caso de Benjamin Button"? "-Nem pensar", foi o comentário de Castafiori. "Frost/Nixon? A Duquesa"? Talvez. A Duquesa talvez, ouvia-a dizer.
"O filme conta a vida da Duquesa de Devonshire...que viveu de 1757 a 1806 -"(neste ponto sou interrompida) "-Não, não, não me está a apetecer ouvir pipocas no século XVIII". Sigo desalentada jornal fora. Talvez música ou dança a interessasse. Ora vejamos. Leio distraidamente: "procurámos criar emoções para as pessoas, fazê-las sentir. Sonhar um pouco. O mistério também tem o seu atractivo. E as pessoas entendem aquilo que quiserem-"(sou de novo interrompida): - "Ouça lá, está a ler algum programa do 9º ano?"
Tudo aquilo se começou a apertar à minha volta: a traviata, o estranho caso, as pipocas, as interrupções de Castafiori, a chuva, a vareta do guarda-chuva que tinha partido no dia anterior. Mas não me fui embora, sem a esclarecer: "Não. Estava a ler o anúncio dum espectáculo na Culturgest".