18.9.08

férias grandes (2) o arrozinho de polvo

Mértola encanta-me nesse sábado em Agosto. Ainda ontem quando atravessava a Praça da Figueira pensava nisso: mas o que é que tem Mértola? Sentei-me num banco em frente à Casa da Sorte e pus-me a associar: água, rio, o ali e o lá; Mértola debruçada sobre o rio; as margens; Mértola desalinhada sobre a linha, a corrente, imprevisível.

Mértola é feita de fragmentos sobre a água, o rio é uma promessa para além de e antes de; o exterior uma esperança. E uma ameaça. Que se controla de cima mas não de longe. Em Mértola sou capaz de imaginar alguém a construir uma varanda só para suspirar. E além disso ainda precisamos de mouras encantadas e conquistas agrestes, templos sobre templos, o branco sobre o branco. E duma palavra fascinante: árabe.

Bom, adiante, que eu não sou pessoa para ficar nem aqui nem ali de boca aberta, ai que linda que é Mértola. Não exageremos, eu fui criada em Évora. Ok Mértola, adeus Mértola.

Voltarei. Por agora prossigo nas curvas e contracurvas a que o cliozinho chama um figo. Depois uma estrada e pêras. Seguimos, já muito perto do fim da tarde, numa cadência tranquila, tão tranquila que a dada altura oiço a minha amiga (a minha amiga passa o tempo, como diria o Lopes, a serrazinar-me o juízo por causa da aceleração): '- assim é que eu gosto de andar, a esta velocidade'. Olho para o velocímetro e vejo o ponteiro entre os 70 e os 80 kms. Apanhada a conduzir como uma velhinha, apressei-me a apanhar a A22 já perto de Vila Real de Santo António.

A nossa cabeça não pára, oh yes, in deed, e vá de me lembrar do Marquês. Mas já na altura não me pareceu inteiramente certo ocupar a mente com o Marquês logo quando a luz dourada e uma brisa feliz invadiam mansamente o cliozinho. Mas pronto, o que é que se há-de fazer? Pensar é um vício. Acabo de chegar a Tavira.

Tenho uma momentânea sensação de chegar a casa, só porque há três ou quatro anos passei aqui várias semanas na rodagem do 'Kiss Me'. Pressinto a linha do horizonte, vejo umas ruínas, misturo isso com as imagens do filme, a Marisa a atravessar a ponte, vejo umas esquinas caiadas, um traço contínuo a separar o trânsito, a chuva que nos estragou um dia inteiro de rodagem e um cão vadio que por força queria entrar no plano. E entrou.

Sigo em frente. Pouco depois entro em Santa Luzia. A chave estava no R&M. O jantar da hospitalidade é arroz de polvo. Fiz uns conhecimentos nessa noite. Depois adormeci. Não sei se sonhei com alguma cativa numa varanda sobre o Guadiana, se com os caracóis do Marquês imperial, ou com as cores da ria Formosa, se com os sobreiros da estrada de Montemor a Alcáçovas. Estava cansada. No dia seguinte quando acordei apanhei o barco para a Terra Estreita.