Apetecia-lhe filetes de pescada.
- Filetes de pescada só congelados.
- Não.
- Então vá almoçar a outro lado.
- Isso era o que a menina queria.
- Eu? Porquê?
- Para ficar sozinha.
- Eu não perguntei para quê, perguntei porquê.
- Vai dar ao mesmo no seu caso.
- Se continua a desconversar, está o caldo entornado.
- Eu não quero caldo, quero filetes.
- De pescada, só congelados. Não me faça perder a paciência.
- Aceito.
- Tão depressa?
- Estou com fome.
- Não me minta.
- 'Tá bem, eu confesso. Abri o frigorífico e vi lá um bolo de chocolate.
- Nem pense. Isso é p'ra logo.
- Mas eu vou-me embora esta tarde.
- Sabe bem que o bolo é um bolo de aniversário e que um aniversário comemora-se à noite. É um aniversário como outro qualquer e um bolo como outro qualquer. Se eu lhe pedir para ficar, fica?
- Depende.
- Não se arme em sindicalista.
- O que é que há para jantar ?
- Filetes de pescada.
- Congelados?
- Congelados.
- E se eu ficar, posso comer o bolo de chocolate?
- Isso depende de quem comemora o aniversário.
- Mas a aniversariante é você.
- Agora está a chamar-me velha?
- Velha? Não, eu ia agora chamar-lhe velha. Até acho que para a sua idade está muito bem conservada.
- Sabe, às vezes penso porque estou há tanto tempo consigo.
- Eu também.
- E não encontro resposta.
- Não faz mal, querida, é mais uma coisa que não encontra. Pense positivo.
- Não brinque. Eu costumo encontrar o que procuro. Sou uma pessoa determinada.
- Então porque é que os filetes são congelados? Para me pôr à prova?
- Deixe-se de conversas que jé estou atrasada. Vai almoçar?
- Almoçar e jantar. Feliz aniversário, querida.