- Quem é? Perguntou Madame Castafiori. Do outro lado, ouviu uma voz de homem: - Telefones. Telefones ? Madame Castafiori interrogou-se, pensou em devolver a questão, pensou mas não disse, não devolveu. Em vez disso agiu, fazendo o que não se deve fazer: abrir a porta.
- Que estupidez, veio a admitir uma hora mais tarde, diante do senhor agente que compareceu no local. - Sabe, é a curiosidade que faz as pessoas fazer coisas destas, sem pensar duas vezes. - Que coisas, minha senhora? - Ora, que coisas, senhor agente, abrir as portas.
Madame Castafiori, embora hesitante quanto a alguns detalhes, soube descrever de um modo que foi considerado satisfatório o aspecto do homem. - Quando ele me perguntou se eu tinha internet, eu vi logo, senhor agente. -Foi nessa altura que fechou a porta? - Sim, foi nessa altura.
Havia qualquer coisa no olhar do sujeito, explicou-me mais tarde pelo telefone, ainda dividida quanto ao recurso às forças da ordem. - Fiz bem em comunicar à polícia, não acha? Eu concordei, mas não deixei de insistir: - Mas explique-me lá isso da curiosidade... Tal como eu previa, Madame Castafiori não se fez rogada. - Sim, é a curiosidade a origem de toda a imprevidência. Mas você que tem gatos devia estar familiarizada com o tema. - Gatas, corrigi eu, sabendo que, admiradora da língua inglesa, Madame Castafiori prefere pensar nos felinos usando um it definitivo. - Não interessa, a curiosidade move-nos. Aliás, o senhor agente também concordou.
Calei-me com grande dose de cálculo e sibilina distracção. Deixei o silêncio pairar. Controlei o tempo e depois avancei, fingindo um interesse difuso: - Parece-me que o senhor agente a impressionou. Voltei a fazer uma pausa. Ouvi Castafiori inspirar. Tinha chegado a hora da pequena confissão nocturna. Sentia-a ali, prestes a saltar do outro lado do telefone. - Sabe, sou sensível às fardas. Eu ri-me. - Não sei do que é que se ri, é um clássico do comportamento feminino.
Com que então um clássico. Madame Castafiori saiu-me uma clássica, a clássica imprevidente.