17.10.11

presa

era uma rapariga que sorria da cabeça aos pés,
e quando apanhava o cabelo o sorriso começava lá mais atrás, na curva do pescoço,
e eu ficava a ouvir as fibras dos músculos do pescoço,
e quando ela falava, eu olhava para a sua voz, que é a coisa que mais se parece com a noite, a voz,
e imaginava-a de noite, a uma janela, nas traseiras da casa,
provavelmente numa encosta desabrida,
via-a sorrir quando andava e quando ficava
parada, e também quando se desviava
das mesas e das cadeiras, e por aí fora
incluindo
o traço
das sobrancelhas,
incluindo quando se inclinava
e do cigarro caía
a cinza
ainda a arder,
e em mim entrava uma alegria
que nunca tive,
eu preciso dessa alegria,
há pessoas que precisam de crédito ou de magnésio, eu preciso dessa alegria,
vê-la assim sorrir não me deixava
dormir,
dava-me tonturas e fazia-me vaguear,
ela sorria contra tudo e eu amava-a contra tudo
inteiramente ela sorria, sim, era só isso
até se esgueirar como um cão de caça atrás do sangue