16.11.10
dois olhinhos a brilhar
"Já matámos a ratazana", li na parte de trás do envelope. Primeiro facto: onde dantes era o remetente, estava escrito "Já matámos a ratazana". Segundo facto: acordei. Estava a sonhar. Primeira questão, e, talvez, primeira conclusão: o segundo facto põe em causa o primeiro, anula-o, ou torna-o mesmo inexistente, passando por isso a ocupar o lugar do primeiro, quer dizer, passando de segundo para primeiro - e único facto? A verdade é que acordei, não descansada como devia, por alguém ter liquidado a ratazana, mas assustada. Talvez por saber que elas - as ratazanas - existem. Outras informações que poderão, quiça, esclarecer o caso: o recado foi-me deixado pelo primeiro andar; no meu prédio, que eu tenha conhecimento, não foi vista nenhuma ratazana; recentemente duas pessoas das minhas relações disseram-me ter visto ratazanas. Eu própria, há um mês, mês e meio, vi um animal minúsculo, que não reconheci imediatamente, admito, a entrar no Metro. Não era uma ratazana. Era um ratinho. Mesmo assim, senti um sobressalto. Foi um bocado humilhante. Em minha defesa posso dizer que não era uma ratazana mas era como se fosse. Cinzento, lustroso, com dois olhinhos a brilhar no cinzento do chão do metro, era uma ratinho, bem sei, mas raios me partam se não parecia uma ratazana, cinzenta, lustrosa, com dois olhinhos a brilhar no cinzento do chão do metro. São séculos e séculos a encaramo-nos uns aos outros.