12.10.10
a colcha indiana
A colcha indiana tem elefantes e deuses de pernas cruzadas. A colcha indiana é feita de bocados de pano, unidos com linha da mesma cor (e eu pergunto o que se pergunta quando se olha para coisas feitas à mão: quem os terá unido?). Ao centro, a colcha indiana tem dois pavões e mais acima dois papagaios. Estão todos no mesmo arbusto, dentro do mesmo bocado de pano. Esse bocado é só deles e talvez isso justifique o quão indiferentes estão ao elefante que está de pernas para o ar no bocado ao lado (mas eu também não conheço a Índia e talvez não seja tão raro assim os elefantes andarem de pernas para o ar). O elefante é verde escuro (esse em particular, porque a colcha tem mais elefantes, a Índia não é só surpresa) muito diferente das vacas ou do homem que toca flauta para as vacas ou das nuvens por detrás dos deuses, paradas pelo som da flauta do homem que toca flauta para as vacas. A colcha indiana tem pedacinhos de espelho, que nunca nos deixam esquecer quem somos, e aposto que ainda lá tem as impressões das mãos que a coseram, não sei, em Goa, em Bombaim, na fronteira pasquistanesa, sei lá, ou do outro lado, em Calcutá. A colcha indiana nunca está só, mesmo quando a casa onde está se fecha e a parede onde está escurece, a colcha indiana nunca está só. Por exemplo, agora tem-me a mim a olhar para ela.