Eu quando entrei já sabia a tabuada toda, ou quase toda, vamos - disse o homem ao balcão do estabelecimento, sobrepondo-se ao som dum comboio a chegar perto dali, Vila Nova de Gaia. E o homem que tinha acabado de se gabar continuou, fino na mão, jornal à sua frente, aberto nas páginas centrais: agora, agora nem sei o que andam lá a fazer. Queres ver como eu tenho razão? O homem falava para o patrão, do lado de dentro, silencioso, a tirar o café de que eu estava à espera. Chama aí a catraia. Ninguém chamou ninguém, talvez porque a sombra da retórica deslocava a pergunta para o interior deste típico monólogo de cervejaria no Inverno, talvez porque simplesmente também não era preciso. A catraia apareceu vinda da copa, dava a impressão de ter estado a ouvir a conversa. Uma rapariga alta, cabelo preso com uma espécie de lapiz, ou quem sabe se não seria mesmo um lapiz, cabelo em movimento perpétuo tal a forma insistente com que tinha de pôr as pontas caídas para trás das orelhas.
6X9? Queres ver, 6X9? A catraia pega no telemóvel algures à sua espera, pareceu-me que à frente da máquina do totoloto, e responde pouco depois: 54. Assim não vale, olha a esperta. 'Tás a ver? Não sabe. De cabeça, não sabe, queres ver? A prova final ali estava, a um passo de ser pronunciada. 7X8? A cervejaria deserta naquele final de tarde, mas habitada por espíritos atentos, ficou suspensa desse golpe de magia que é um simples cálculo numérico. Sim, 7X8? Pois é, não sabe. Entretanto, eu própria dava voltas à cabeça, ora se 7X7 são 49, mais 7 são: 56, ouço o homem. Sem telemóvel. Nem máquinas, nem meio máquinas, era o que faltava. Agora uma coisa é certa, eu não sei bem o que lá andam a fazer. Dou-te um exemplo. Estudo do Ambiente. Nós dávamos Geografia, dávamos História, dávamos, bom, dávamos uma data de coisas. Agora compara lá. Ora isto é uma coisa que eu não admito, quer dizer, eu admitir, admito, mas cai-me mal, ó se cai.