30.3.10
mensagem em vinte e duas palavras
no calendário este é o dia quem sabe um dia que possa valer por dois vezes dois vezes dois dias assim assim
29.3.10
Deus nos lírios
sinto deus, todas as noites, nos lírios
de Monet, olham por mim,
por esta sombra incerta que morre
aos poucos comigo, cobrem
de seiva viva a escuridão da casa
e afastam os demónios
que se escondem nas frestas do sono.
pela manhã, junto as pétalas tenras
caídas no lençol, e rezo baixinho,
com os pardais, um verso branco.
RENATA CORREIA BOTELHO
RESUMO, a poesia de 2009
edição Assírio&Alvim
de Monet, olham por mim,
por esta sombra incerta que morre
aos poucos comigo, cobrem
de seiva viva a escuridão da casa
e afastam os demónios
que se escondem nas frestas do sono.
pela manhã, junto as pétalas tenras
caídas no lençol, e rezo baixinho,
com os pardais, um verso branco.
RENATA CORREIA BOTELHO
RESUMO, a poesia de 2009
edição Assírio&Alvim
28.3.10
26.3.10
24.3.10
pas de poème
Pas de poème sans accident, pas de poème qui ne s'ouvre comme une blessure, mais qui ne soit aussi blessant. Tu apelleras poème une incantation silencieuse, la blessure aphone que de toi je désire apprendre par coeur.
Jacques Derrida, "Che cos'è la poesia?"
citado em "Século de Ouro, antologia da poesia portuguesa do século XX"
Jacques Derrida, "Che cos'è la poesia?"
citado em "Século de Ouro, antologia da poesia portuguesa do século XX"
19.3.10
aviso (2 - correios)
"Por ausência do destinatário não foi possível proceder-se à entrega de objecto urgente". Que pena. Logo hoje que esperava receber o teu coração.
18.3.10
aviso (1- água)
"Estimado Cliente, informamos que devido à realização de trabalhos na rede de distribuição, o fornecimento de água será interrompido temporariamente entre as 14 e as 18 horas. Apesar dos esforços desenvolvidos para concluir os trabalhos no período previsto, este pode ser reduzido ou prolongado sem novo aviso." Eram 17h e 40. Ao ler o aviso na porta do prédio, uma sede imensa assaltou-o, ali, à porta do prédio, ao ler o aviso: e se os trabalhos se atrasassem, apesar dos esforços? Está sempre a acontecer, atrasarem-se os trabalhos está sempre a acontecer, é da natureza do trabalho exactamente isso: estar sempre a acontecer e atrasar-se.
Entrou no café da esquina e pediu uma imperial. Mas não havia. Pediu uma mini. Mas não havia. Pediu heineken, não havia, pediu carlsberg, não, não havia. Desesperado, pediu uma superbock de lata. Não havia. Só de garrafa. Ou então de 50 cl. Mas há cristal. Não. E sagres ? Sagres, sim, de 50 cl, sim, senhor, havia. Sabe, estamos à espera da distribuição. Há dias assim. Toda a gente chega aqui e pede uma imperial, e depois acaba a imperial, pedem minis, e depois acabam as minis, pedem médias, sagres, superbock, acaba a sagres, acaba a superbock e assim sucessivamente. E um copo de água? Um copo de água como? Pode-me dar um copo de água? Água? A água está cortada, a epal andou aí a distribuir avisos em todos os prédios, não viu o aviso? Mas tenho aqui água do luso, luso e formas luso: fambroesa, chá verde, limão. E fastio, tem? Fastio, não tenho, tenho vitalis, tenho pedras, tenho serra da estrela. E tenho luso. E formas luso: fambroesa, chá verde, limão. Que horas são? 18h02. Já há água? Na torneira? Não. Era o que eu pensava. É da natureza do trabalho. Está sempre a acontecer. Dê-me uma sagres de 50 cl. Uma sagres de 50cl? O que é que quer que eu lhe faça? Daqui a nada nem isso tem. Olhe, já há água, não quer o copo de água? Agora já pedi a sagres.
Entrou no café da esquina e pediu uma imperial. Mas não havia. Pediu uma mini. Mas não havia. Pediu heineken, não havia, pediu carlsberg, não, não havia. Desesperado, pediu uma superbock de lata. Não havia. Só de garrafa. Ou então de 50 cl. Mas há cristal. Não. E sagres ? Sagres, sim, de 50 cl, sim, senhor, havia. Sabe, estamos à espera da distribuição. Há dias assim. Toda a gente chega aqui e pede uma imperial, e depois acaba a imperial, pedem minis, e depois acabam as minis, pedem médias, sagres, superbock, acaba a sagres, acaba a superbock e assim sucessivamente. E um copo de água? Um copo de água como? Pode-me dar um copo de água? Água? A água está cortada, a epal andou aí a distribuir avisos em todos os prédios, não viu o aviso? Mas tenho aqui água do luso, luso e formas luso: fambroesa, chá verde, limão. E fastio, tem? Fastio, não tenho, tenho vitalis, tenho pedras, tenho serra da estrela. E tenho luso. E formas luso: fambroesa, chá verde, limão. Que horas são? 18h02. Já há água? Na torneira? Não. Era o que eu pensava. É da natureza do trabalho. Está sempre a acontecer. Dê-me uma sagres de 50 cl. Uma sagres de 50cl? O que é que quer que eu lhe faça? Daqui a nada nem isso tem. Olhe, já há água, não quer o copo de água? Agora já pedi a sagres.
15.3.10
inventário (3)
duas colheres de prata por arear, mais uma faca de sobremesa, também de prata, mais um guardanapo de papel, que sobrou do último natal, pronto a usar
13.3.10
inventário (2)
há uma gata à janela e outra atrás do computador, e no papapeito um furador de quatro furos
12.3.10
inventário (1)
há um livro a desfazer-se, colado a fita-cola, e letras douradas que não cedem - é um dicionário de língua portuguesa que comprei na feira da ladra nem eu sei quando; há ao lado um livro com nuvens na capa, para que nos dias em que o céu da janela está baço o possa abrir sem remorsos de qualquer espécie - é a colectânea de poesia da assírio& alvim
10.3.10
noivado
Estendeu os braços carinhosamente e avançou, de mãos
abertas e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não
serem felizes.
É o que faz a miopia.
Mário-Henrique Leiria
abertas e cheias de ternura.
- És tu Ernesto, meu amor?
Não era. Era o Bernardo.
Isso não os impediu de terem muitos meninos e não
serem felizes.
É o que faz a miopia.
Mário-Henrique Leiria
9.3.10
ortografia
tudo o que sei é francamente decepcionante; talvez o novo acordo ortográfico melhore o estado das coisas, quando decepção passar obrigatoriamente a deceção deixará de ser uma ilusão perdida ou, pelo menos, poderá deixar de parecer
8.3.10
(...) O Anjo da Casa
(...)
"Matar o Anjo da Casa fazia parte das tarefas da mulher escritora. (...) O Anjo estava morto; o que restava agora? Poderíeis talvez dizer que o que restava era um objecto simples e comum - uma mulher jovem num quarto e um tinteiro. Por outras palavras, agora que ela se tinha livrado da falsidade, a mulher tinha apenas de ser ela própria. Ah! Mas o que significa "ser ela própria"? Isto é, o que significa ser mulher? Asseguro-vos que não sei. E tão pouco acredito que o saibais."
(...)
" Contar a verdade sobre as minhas próprias experiências enquanto corpo"
(...)
"Ainda virá longe o tempo em que a mulher se possa sentar a escrever um livro sem descobrir um novo fantasma para matar ou um rochedo para demover do seu caminho."
(...)
"Os homens ficam chocados se uma mulher diz o que sente (tal como Joyce o fez). No entanto, a literatura que está sempre a cerrar cortinas não é literatura. Tudo o que temos deve ser exprimido - mente e corpo - um processo de incrível dificuldade e perigo."
(...)
Virginia Wolf
"Matar o Anjo da Casa fazia parte das tarefas da mulher escritora. (...) O Anjo estava morto; o que restava agora? Poderíeis talvez dizer que o que restava era um objecto simples e comum - uma mulher jovem num quarto e um tinteiro. Por outras palavras, agora que ela se tinha livrado da falsidade, a mulher tinha apenas de ser ela própria. Ah! Mas o que significa "ser ela própria"? Isto é, o que significa ser mulher? Asseguro-vos que não sei. E tão pouco acredito que o saibais."
(...)
" Contar a verdade sobre as minhas próprias experiências enquanto corpo"
(...)
"Ainda virá longe o tempo em que a mulher se possa sentar a escrever um livro sem descobrir um novo fantasma para matar ou um rochedo para demover do seu caminho."
(...)
"Os homens ficam chocados se uma mulher diz o que sente (tal como Joyce o fez). No entanto, a literatura que está sempre a cerrar cortinas não é literatura. Tudo o que temos deve ser exprimido - mente e corpo - um processo de incrível dificuldade e perigo."
(...)
Virginia Wolf
6.3.10
5.3.10
Deixa-me dar-te o verão
O verão é feito de coisas
que não precisam de nome
um passeio de automóvel pela costa
o tempo incalculável de uma presença
o sofrimento que nos faz contar
um por um os peixes do tanque
e abandoná-los depressa
às suas voltas escuras
José Tolentino Mendonça
1.3.10
mensagem em vinte e uma palavras
matéria antimatéria partícula antipartícula para cada partícula existe uma antipartícula átomo antiátomo era aqui que eu queria chegar ou não pergunto
26.2.10
25.2.10
jet lag
Castafiori, regressada de uma viagem de quatro dias a Madrid, diz-me: - Andar de avião deixa-me de rastos. Já se sabe que este é o género de comentário que me deleita, o género de comentário com que Castafiori me surpreende sempre, despropositado e solene. Eu sou uma pessoa de resposta bastante rápida e às vezes isso transforma-me numa pessoa perigosa. Quando dei pelo que dizia já a minha voz ia no ar: - Mas a última vez que andou de avião não foi há vinte anos?
24.2.10
mesmo ciclo
se recomeçar for o último estádio do ciclo evolutivo, então eu estou sempre no mesmo sítio
23.2.10
22.2.10
19.2.10
planeamento
antes de dormir, fazer um plano para o dia seguir, ao acordar executá-lo imediatamente, usar o resto do dia para fazer um plano para o dia seguinte, ao acordar, tentar executá-lo ainda mais imediatamente que no dia anterior, e usar o resto do dia, ainda mais resto, para fazer um plano para o dia seguinte
18.2.10
inícios (24)
Je forme une entreprise qui n'eut jamais d'exemple et dont l'exécution n'aura point d'imitateur. Je veux montrer à mes semblables un homme dans toute la vérité de la nature; et cet homme ce sera moi.
Les Confessions - livre I
Jean-Jacques Rousseau
Les Confessions - livre I
Jean-Jacques Rousseau
17.2.10
manhã de inverno
de gorro e cachecol, parti da estação do rossio, recordo um túnel; campolide, cuidado com o degrau, avisa a voz da gravação; subúrbios, a linha deixa para trás nuvens num fundo levemente dourado, recordo já de noite, agora mesmo
16.2.10
sementes
tenho sementes de erva do gato e de manjericão e três vasos para ocupar; as temperaturas são, porém, adversas e limito-me a olhar para as embalagens; constato o seguinte: a de manjericão traz o nome em latim - 'ocimum basilicum' -, a erva do gato vem traduzida em três línguas: menta de gato, menthe de chat, cat nip; não sei como é que as minhas gatas vão aceitar esta diferença (acabo de descobrir: 'nepeta cataria', é logo outra coisa, nepeta cataria, que alívio, contornar a imprevibilidade de duas feras)
15.2.10
mensagem em vinte palavras
nada de ventos uivantes, humidade simples, gelo gentil, escalada à nossa altura, plana não é menos custosa ó mar salgado
12.2.10
no café
regresso com o som da chuva a meu lado, no alcatrão que sobe a rua popular onde os meus passos se gastam, e distraio-me com o som do motor do autocarro que arranca rotineiro, antes de ir para casa fazer a declaração do iva
11.2.10
post
mais dia, menos dia e eis-me de novo aqui, é hoje, é amanhã, nesta temporada post paradis, a antever a primavera-verão, agora que o sol de inverno se começa a instalar, este ano timidamente, é certo, mas hoje já seguro de si
6.2.10
5.2.10
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