25.6.10
24.6.10
23.6.10
22.6.10
20.6.10
RIP Saramago
Há precisamente um mês que José fora convidado. Acabou por aceitar. Por isso não percebeu o porquê daquela espera. Não estava certo. Ele, José, embora não aspirasse a toda a cerimónia, não renunciava a toda a cerimónia. Gostava de ser tratado com alguma cerimónia. Era um homem claro. Sentia-se enfadado, ali, como se estivesse num corredor da misericórdia, como um vegetal, uma maçã calibrada. Mas não precisou de invocar qualquer protocolo para desfazer o enfado. Ouviu uma voz. Tomou-a como a voz de Deus. Era com Deus que o encontro tinha sido marcado. Nunca antes ouvira a voz de Deus mas nem ele, José, duvidou por um instante que fosse de Deus a voz que dizia: não te enfades, José, a tua hora está a chegar. E a partir do momento em que José se levantou sumiram-se-lhe as palavras. Deus ainda brincou: o gato comeu-te a língua, José? e José ainda sorriu, mas já não foi capaz de explicar porquê, nem para quê, nem para quem. Também o elementar se fora com ele.
Deus é cruel como as crianças e as crianças caprichosas como os gatos. Mas nem uns nem outros amam as palavras como José, porque só José ama as palavras como um deus. E era precisamente isto que Deus tencionava dizer-lhe. Não disse. Só pensou. E José não ouviu. Nessa noite já não sonhou com Deus. Sonhou com o sabor dos pêssegos e com o rio que passa na sua aldeia. E pronunciou uma palavra que ninguém conhecia e descreveu uma cidade coberta de cinza e imaginou um grande pássaro sob um céu descoberto. Foi tudo.
Deus é cruel como as crianças e as crianças caprichosas como os gatos. Mas nem uns nem outros amam as palavras como José, porque só José ama as palavras como um deus. E era precisamente isto que Deus tencionava dizer-lhe. Não disse. Só pensou. E José não ouviu. Nessa noite já não sonhou com Deus. Sonhou com o sabor dos pêssegos e com o rio que passa na sua aldeia. E pronunciou uma palavra que ninguém conhecia e descreveu uma cidade coberta de cinza e imaginou um grande pássaro sob um céu descoberto. Foi tudo.
18.6.10
17.6.10
16.6.10
15.6.10
12.6.10
11.6.10
10.6.10
8.6.10
7.6.10
18.5.10
personagem à procura de um autor
"Bem, ninguém quer os cães vou ter de matá-los !!!", disse ele, exactamente assim: com três pontos de exclamação, tantos quanto os cachorros inocentes, foi assim que ele disse.
3.5.10
como eu gosto de cozinhar
se há coisa que me dá prazer é cozinhar; gosto particularmente de passar por uma receita no jornal e fazê-la nesse dia; foi isso que fiz sábado e hoje, segunda-feira; fiz cogumelos de paris à grega e linguine com espargos, ervilhas e limão, quer dizer, fazer não fiz, mas fiz uma coisa parecida: se não havia linguine e os espargos estavam a um preço impossível que culpa é que eu tenho? (também não havia hortelã); só foi pena foi ter exagerado no limão; para a próxima fica melhor; acho eu.
30.4.10
confusão madrugadora
Ao estender a roupa numa madrugada quente, olhou para baixo e, do 3º andar, viu um rato no pátio de cimento. Só depois percebeu que era um pássaro. Isto não é nada poético.
29.4.10
ar abafado
está abafado, o ar cheio de pombos, e daqui vejo os segundos correr no cronómetro do relógio com o interesse de quem tem que fazer uma data de coisas e não sabe por onde começar; todavia, se voltar a olhar para lá, para a cronómetro desarrumado, não deixarei de perguntar: e nunca se cansa? o tempo nunca se cansa.
27.4.10
registo
Abro a janela e as gatas não aparecem. Preferem o edredon da cama. Vou tirá-lo hoje, o Verão está a chegar.
24.4.10
indie
foi ao cinema e perdeu um brinco. ficou muito arreliada. dá alvíssaras a quem o encontrar. era preto.
19.4.10
inícios (25)
Hoje, a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem. Recebi um telegrama do asilo: "Sua mãe falecida. Enterro amanhã. Sentidos pêsames." Isto não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.
O ESTRANGEIRO
Albert CAMUS
O ESTRANGEIRO
Albert CAMUS
9.4.10
"se eu pudesse desamar"
Se eu pudesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
se eu pudesse coita dar,
a quem sempre coita deu.
Pero da Ponte
lido em "Direito e Literatura", almedina, 2010
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
se eu pudesse coita dar,
a quem sempre coita deu.
Pero da Ponte
lido em "Direito e Literatura", almedina, 2010
8.4.10
inventário (6)
um compact flash, de 256mb, usado na minha primeira máquina digital, uma coolpix 2000, um rádio philips em portalegre comprado, onde eu oiço agora o pomar das laranjeiras, que voz, e sempre a janela da gata, a minha vera, na minha frente
7.4.10
inventário (5)
comprimidos revestidos (ainda válidos), um relógio (com cronómetro) made in china, um mapa (de áfrica) a cair da parede e tudo lá fora me espera esta manhã (penso com optimismo)
6.4.10
inventário (4)
sangue seco, sangue antigo, acumulação de pó, um lápis faber-castell mordido na ponta por um gato entediado, mais um post-it que diz "gravar a paixão segundo s.mateus"
5.4.10
domingo de páscoa
finalmente é primavera e adormeci na relva da gulbenkian. era domingo de páscoa ontem à tarde. havia famílias e namorados, patos em terra e pombos a esvoaçar, também havia rapazes atrás dos mosquitos junto ao lago e meninas com panamás que caiam das cabeças quando corriam. acordei com o sol a descer das oliveiras, nessa altura já tinha ouvido várias vezes o samba de uma nota só. apanhei o metro e duas estações depois entrei em casa - são os benefícios da ampliação da linha vermelha.
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