16.6.11

Passeio em Ponta Delgada (2)

O todo e as partes - foi a primeira ideia que me atingiu quando, a uns metros de distância, avistei aquela árvore, uma árvore da borracha, uma ficus elastica, e como são bonitos os nomes da plantas em latim, como se o latim tivesse sido inventado para dar nome às plantas. E aos astros, e às cláusulas contratuais e aos 206 ossos do corpo humano. Mas aquela árvore, ficus elastica em latim, projectou sobre os meus passos uma imagem plena de completude e incompletude que me fez caminhar para ela. E, agora, que aquela imagem - a de um corpo aspirando, de braços estendidos, ao céu aberto e agarrando-se com todas as suas forças à terra que o sustém -, agora que aquela imagem me fez parar no caminho, tenho de pensar nela, nela na imagem, nela na árvore, como se fossem ambas uma coisa só.

Imaginou-a a crescer, sempre a crescer, a desenhar e a construir incessantemente o seu próprio corpo. Nasceu há muito mais anos do que eu e, salvo uma fatalidade improvável, ali viverá por muito mais anos do que eu viverei neste mundo. A natureza cria-se e recria-se em perpétuo movimento. Mas talvez haja um erro metodológico neste pensamento tão primário e tão civilizado. Não o erro de comparar-me a um ser de outra natureza, não esse, mas o erro de comparar-me a um ser que é muito maior do eu, seja qual for a natureza onde eu o quiser encaixar, essa mania humana a que ordinariamente recorremos para pararmos de nos interrogar, Nós, sim, nós, somos matéria que se pensa, e tu, ó árvore, o que és?

Aquela árvore abriga-me a mim e às formigas, alimenta-me a mim e às formigas, contempla-me a mim e às formigas. E não faz distinção entre mim e as formigas. Talvez por, na natureza, ser evidente como tudo e todos, incluindo eu e as formigas, acabamos, com maior ou maior esperança, em pó, que é uma forma suprema de harmonia.

"Serán cinza mas tendrá sentido,
Polvo serán, mas polvo enamorado".

Ah, a natureza, sim, a natureza, que belo princípio explicativo. Melhor que ele só há um outro, que nada explica e que tudo explica. Porque não sei como, e quem me dera saber, mas não sei como é que, quando estou diante dela - dela, da natureza -, não sei como não pensar na hipótese de Deus.