4.4.05

orgulho e preconceito

Passei a tarde a tratar da minha viagem a África. Gosto de referir-me assim às 7 semanas que em Moçambique vou passar a trabalhar. Passaporte, visto e vacinas. Cheguei ao Instituto de Medicina Tropical quase em cima das 5. Estacionei com sorte e a ajuda de um dos três arrumadores presentes naquela dúzia de lugares. Retribuí com os meus mais sinceros agradecimentos e cinquenta cêntimos.

Corri até ao Instituto, preenchi uma ficha, paguei e deram-me uma das vacinas. Tudo estava a correr como o planeado. Só me faltava ir receber um trabalho que estava a pagamento também ali na Rua da Junqueira. Fui a pé.

Quando voltei ao local de estacionamento, tinha-se passado uma hora, mais minuto menos minuto. Procuro as chaves na mala e sou interrompida por um dos arrumadores que me chama. Não o meu arrumador, mas um rapaz de cabelo claro e um blusão verde garrafa. Vejo-o agitar algo e reconheço logo a seguir o porta-chaves vermelho com o símbolo da Renault, comprado numa loja de indianos aqui ao pé de casa. Mas não nos dispersemos.

Tinha sido o condutor do carro ao lado a dar pela chave na porta, e acrescentará o rapaz: pouco depois da senhora ter atravessado a rua. Como eu não aparecia, já estavam um bocadinho aflitos. Talvez tenha sido por isso que senti, não sei, alegria ? na forma como o rapaz de verde me chamou. Não que não tivessem tudo previsto, no caso de eu não aparecer. Se eu não aparecesse: a) entregavam a chave à guarda do segurança do hospital ali em frente; b) deixavam-me depois um recado no carro a explicar o sucedido. Muito e muito obrigada e depois bebam uma cervejinha por conta da casa. Obrigada, rapazes. E enquanto fazia a manobra para sair dali, sempre com a ajuda diligente do par, um deles, o que não estava de verde, ainda declarou orgulhoso: isto é para a senhora ver que os arrumadores não são o que dizem por aí!

Foi um fim de tarde feliz para todos. Acho eu. Eu livrei-me de boa, eles sentiram-se, não sei como dizer, pareceu-me que por momentos pairou por ali o lema da revolução francesa. Não sei quanto tempo vão vocês viver, aliás, tão pouco sei quanto tempo vou eu viver. Mas quando passar na Rua da Junqueira hei-de levantar a mão e dizer: olá, rapazes. E agora vou ouvir talvez Radio Head, Doves, sei lá, se for preciso Sonic Youth, para compensar os violinos no céu. Ou então regresso ao Vou-me embora, um livro divertido que encontrei perdido no sofá da sala ontem quando regressei a casa. Amanhã já cá não estou.