30.11.05

glossário: POLAROID ou o perfume de um formato

Com um só clic tirar uma fotografia e ter o positivo– eis o conceito polaroid.

Edwin Herbert Land , fundador da Polaroid Corporation e que em 1929 registara a patente da polaroid, um tipo de folha em plástico sintético utilizado para polarizar a luz, anuncia em 1947 à Optical Society of America a invenção do processo completo de obtenção numa só etapa de uma fotografia em 60 segundos. O termo “polaroid” passa a ser sinónimo de fotografia instantânea, servindo para designar quer a película quer a câmara necessárias ao processo, e que podemos enunciar como película fotográfica concebida para ser usada numa câmara instantânea.

Basicamente, o processo explica-se assim: cada “fotografia”, cada unidade-fragmento de filme (e em regra um cartuxo tem entre 8-10 exposições) contém os químicos necessários para a revelação e, após a captura da imagem, a câmara imediata e automaticamente (em muitos modelos, movida por uma bateria eléctrica incorporada no cartuxo) inicia o processo de revelação ao mesmo tempo que impulsiona o filme para fora. Numa ordem determinada e com tempos de reacção diferentes, os químicos actuam na superfície do filme e a imagem positiva aparece momentos depois.

Decisivo para o desenvolvimento do potencial criativo e tecnológico que nas décadas seguintes este novo (sub) medium fotográfico veio a conhecer foi o encontro entre Land e Ansel Adams, que a partir de 1948 se torna o primeiro de um sem número de consultores artísticos e cuja tarefa consistia em testar as câmaras e as películas no decurso da sua actividade como fotógrafo, em todo o tipo de ambientes e condições de luz. Para Land a criação de uma bela fotografia podia testar os limites da película de uma forma completamente diferente da matriz teórica, do paradigma matemático concebido pelos engenheiros da empresa.

As Polaroid Collections (constituídas por 23 000 fotografias, de 2000 diferentes autores, resultado de colaboração contratual ou posterior aquisição) são testemunho do instrumento para a imaginação e das virtudes expressivas dum material que, surgindo por processos simples e tendo a instantaneidade como traço fundador, se manifesta imprevisível e imperfeitamente, nomeadamente a nível da cor e do foco. E ainda material versátil, quer pela existência de, v.g, vários modelos, tamanhos, sensibilidades, cromatismos, quer pelo sua natureza aberta, de que são prova as experimentações e manipulações de que resultaram técnicas e efeitos mais ou menos populares (v.g, solarização, transferência). Por outro lado, na era da reprodução técnica a polaroid apresenta-se como objecto único, não apenas pelo facto de em muitos dos seus filmes, e simplificando, o positivo e o negativo, a película e o papel, coexistirem inseparavelmente, como porque a seu comportamento caprichoso, nomeadamente a nível da cor, assim o determina inexoravelmente. Mas a polaroid é também um objecto sensorial: uma polaroid ouve-se, uma polaroid tem cheiro, uma polaroid revela-se literalmente diante dos nossos olhos. Depois, a polaroid tem a marca da “verdade”: a realidade vê-se no instante, o espaço e o tempo marginados a branco nas nossas mãos.
Ao longo dos seus quase 50 anos a polaroid não parou de seduziu fotógrafos e outros artistas: para além do próprio A.Adams, recordemos a título de exemplo, Robert Mapplethorpe, Robert Frank, David Hockney, Helmut Newton, Robert Rauschenberg, Andy Warhol, sobretudo no seu período dourado, as décadas de 60 e 70, marcado no âmbito da tecnologia polaroid pelo lançamento da máquina SX-70 e pelo filme Time Zero, e tendo como paisagem artística movimentos, entre outros, como a pop art ou o happening & perfomance. Se podemos afirmar que a qualidade dos produtos e a constante pesquisa da empresa, a política de programas de apoio, contratos e aquisições, as potencialidades expressivas e disponibilidade experimentalista do meio, a aura de objecto único e por domesticar, atraíram muitos artistas, podemos também afirmar que esse fluxo de adesão caucionou a marca e o conceito, e é também ele constitutivo da aura de que a polaroid ainda goza.

E todavia, o símbolo de modernidade que ostentou na sua idade de ouro fere-a agora de morte anunciada. A era digital tornou-se avassaladora também na fotografia e a polaroid, como fotografia instantânea, resistirá, para além das respostas de mercado como a câmara Image 1200, se encontrar artistas capazes de a fazer viver com produtos capazes de os fazer viver.

Até hoje foram vendidas 150 milhões de câmaras instantâneas polaroid. Nenhuma à minha gata Mia. Passo a contar. A Taschen editou recentemente um belo livro – The Polaroid Book – que vem embalado e hermeticamente fechado como um cartuxo de filme polaroid, numa cobertura de papel plastificado/metalizado. Comprei o livro e, deserta por chegar a casa, apanhei o metro a correr, subi a rua cheia de emigrantes brasileiros e carros mal estacionados, meti a chave na porta e eis-me perante o momento mais delicado do dia: abrir a tal embalagem metalizada, pela qual tinha dado 30 euros, quer dizer um pouco menos do que um modelo popular de câmara polaroid, quer dizer mais ou menos dois cartuchos de filme. Tomei uma decisão. Resolvi abri-la como uma polaroid: à mão, rasgando-a, preparada para mordê-la se preciso fosse. O ruído despertou uma inusitada agitação motora, acompanhada de vibrante mas monótona agitação sonora, por parte da minha gata Mia. Clic. O ruído da embalagem polaroid sugeria a abertura das embalagens de biscoitos, dos seus amados iams cat food rico em galinha. Então pensei: qual digital, qual carapuça, a polaroid nunca deixará de produzir momentos.