27.2.05

sábado, domingo

Mal salto da cama e as gatas correm desaustinadas para a cozinha convenço-me do agradável sabor das coisas conhecidas e ponho água a ferver para o chá que se aproxima. Porém, o plano irá ser posto em causa logo a seguir. Não há pão. Tudo isto se passa antes das nove da manhã.

Apanho o metro e saio três estações depois. Estou atrasada. O filme começou há 5 minutos, diz-me a rapariga que está no bar. É o primeiro dos três filmes lésbicos a que assistirei hoje. A meio do segundo, recebo um sms da A. a convidar-me para jantar. Deve ter sido Madame Castafiore que lhe foi dizer que eu andava deprimida. Mas tudo isto se passou antes das seis da tarde e, sobretudo, antes de eu ter lido um pequeno texto de Franz Kafka.

Apesar de, repito, nessa altura ainda não ter lido "decisões", o que só acontecerá hoje no café cujo dono me chama "querida", decido ir para a Graça.

Retenho três imagens no Martim Moniz: a Almirante Reis em perspectiva, incluindo alguns médios acesos, uma mulher de peso com uma camisola cor de rosa por baixo do casaco de cabedal e o 28 a descrever uma curva, com o centro comercial inclinado para a direita. Subo depois a Calçada dos Cavaleiros. Já quase não há lojas abertas, as nuvens tudo escurecem e ocorre-me uma palavra em francês: lourd, -e.

Faço um desvio e eis-me em Santa Luzia. Azul, verde, balanço de brancos. A minha velha nikon digital que se oriente. O raio de um semi-círculo de nuvens escuras por cima do limoeiro faz-me pensar no "amor de perdição".

A A. não está em casa. Soube depois que tinha ido ao Monumental com Madame Castafiore. Espero. Quando procuro um café, ouço fado na Rua da Graça e entro.

Acabo por me sentar numa mesa à entrada. O homem que a ocupa pede uma imperial. Chega até mim um cheirinho familiar: acompanha-a um pastelinho de bacalhau. Eu fixo-me no microfone dependurado do tecto. Aqui tenho uma dúvida. Pendurado no tecto, dependurado do tecto. Palmas. O 28 passa na rua.

Era o mesmo que fez a curva no Martim Moniz, onde estava a mulher da camisola rosa? Eu acho que sim. Sinceramente. Há 5 minutos estive a pensar no tempo passado. A gente envelhece em 5 minutos. Foi o último fado que ouvi antes de comer uma morcela em casa da A. Claro que não havia só uma morcela para comer.

Tudo isto se passou ontem, sábado. Hoje é domingo.