30.1.09

AUTO-RETRATO NO SUPERMERCADO

para Dieter Wellershoff

Numa
grande
montra do super-

mercado venho ao encontro de mim
mesmo, tal como sou.
O choque que me atinge, não
é o choque esperado,
mas o choque não deixa de me

atingir. E continuo

até uma parede
nua sem saber que
fazer.

Alguém mais tarde
me levará
dali.

ROLF DIETER BRINKMANN
trad: Judite Berkemeier e João Barrento
"O Cinema em Palavras /Poemas-Piloto"
Fenda Edições

28.1.09

/a mulher casada 1





27.1.09

chegada a casa







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22.1.09

as gatas e o csi

Gaseadas e quentinhas, as minhas gatas sossegaram após dura turbulência de final de tarde, em que a sala parecia a aldeia dos macacos, com saltos a partir do sofá, saltos em direcção ao tecto, correrias em ziguezague, fintas, paragens súbitas, acelerações de fazer parar a respiração rente à televisão nova, tudo aconteceu neste final de tarde, pêlos eriçados, unhas afiadas, pulos, mais uma vez, as meninas a saltar, até cairem indomáveis em frente ao aquecedor e adormecerem ao som de um csi que passa na cabo. Também o que hão-de fazer? Conhecem os diálogos de cor e todos os segredos do adn as minhas gatas. A vida é uma questão de hábito.

21.1.09

hoje não

Hoje não há notícias. Hoje só vejo pássaros a agitar o céu cinzento, aqui da minha janela planeio uma saída forçada. Lá fora deve haver notícias.

20.1.09

pets

Desapontamento, se quiserem que eu resume o que me vai na alma depois de ouvir o novo Presidente dos States na sua tomada de posse, não me perguntem mais que eu resumo: desapontamento. Revi o discurso num canal inglês, num canal francês, russo, árabe, búlgaro, luxemburguês, corri a zon a pente fino, liguei o phoenix cne, experimentei o deutsche welle, até o tpa internacional. Confirmei: nada sobre o cão de água. Assim, vai longe, vai.

19.1.09

a ciência de pollet

Clico nas 'últimas novidades' da barra do Firefox. E leio: 'Homens ricos dão mais prazer às mulheres'.12:27. Olhei para o relógio: 14:01. E se a notícia já lá não está, tremi. Clico e vou ter ao 'Destak'. Ansiosa, salto o parágrafo preliminar e leio: 'Para chegar à conclusão, os evolucionistas Thomas Pollet e Daniel Nettles usaram informações de uma pesquisa chinesa'. Interrompo e volto atrás: 'Homens mais ricos proporcionam mais prazer às mulheres durante as relações sexuais, segundo um estudo de dois cientistas da Universidade de Newcastle, na Grã-Bretanha.' Concentro-me. Levo tempo a aproximar-me do fim: '«O orgasmo serve para seleccionar entre os machos com base na sua qualidade. Assim, deve ser mais frequente nas fêmeas unidas a machos de alta-qualidade. Parceiros mais desejáveis levam as mulheres a terem mais orgasmos», afirma Pollet'. Um parágrafo mais e chego ao fim:'Segundo Pollet, a influência do vencimento sobre a frequência de orgasmos parece ser ainda maior que outros factores, como a simetria corporal ou atracção, apontados em estudos anteriores.' Clico e retomo as últimas notícias na barra do Firefox, com a sensação de que acabámos de nos divertir. Eu e o Pollet.


16.1.09

sur le cinématographe (5)

Fais apparaître ce qui sans toi ne serait peut-être jamais vu.
Robert Bresson

15.1.09

sur le cinématographe (4)

Une chose ratée, si tu la changes de place, peut être une chose réussie.
Robert Bresson

14.1.09

sur le cinématographe (3)

Elle (fragmentation) est indispensable si on ne veut pas tomber dans la REPRÉSENTATION.
Voir les êtres et les choses dans leurs parties séparables. Isoler ces parties. Les rendre indépendentes afin de leur donner une nouvelle dépendence.
Robert Bresson

13.1.09

sur le cinématographe (2)

Qui peut avec le moins peut avec le plus. Qui peut avec le plus ne peut pas forcément avec le moins.
Robert Bresson

12.1.09

sur le cinématographe (1)

Quand un violin suffit ne pas en employer deux.
Robert Bresson

9.1.09

corvos

Estava vigilante, como um corvo necessitado. Estava entusiasmado, como um corvo jovem. Também não era para admirar. Chamava-se João António Corvo e acabara de chegar. Ainda não sabia que lhe seria exigida uma dose extraordinária de violência, como um corvo definitivamente perdido. Chegara a um sítio onde a lei não é escrita, mas servida em rações individuais, fornecidas umas sobre as outras em grandes sacos fechados, como o arroz em África a cair dos aviões humanitários.

8.1.09

exercícios (eu também)

Eu também estou aqui
Eu também quero
Eu também vou
Eu também salto
Eu também sou assim
Eu também fui
Eu também desisto
Eu também não vejo a linha do horizonte
Eu também me rio de ti.

7.1.09

no bar do museu

Os espanhóis estão a comer pão com azeitonas. E queijo curado cortado em fatias fininhas. São três. Um homem, duas mulheres, duas máquinas digitais. Clic, clic.

6.1.09

SEPULTEM-ME

Sepultem-me num lago de lótus florido
para poder escutar o barulho rastejante dos vermes da terra
e sobre as verdes folhas dos lótus
ver os pirilampos luzentos cintilar.

Sepultem-me sob flores de jasmim
e os meus sonhos serão eternamente perfumados.
Sepultem-me no cume da Montanha Taishan
para ouvir os murmúrios de um pinheiro solitário.

Ou queimem-me e reduzam-me a cinzas
lançando-as nas águas do Rio Primavera
para que flutuem na corrente à deriva, com as flores que tombam
rumo a um paradeiro desconhecido.

ZHU XIANG
(1904-1933)

Trad.: Armanda Rodrigues

Rosa do Mundo, Assírio&Alvim

5.1.09

filme americano

"Um dia beijo-te a meio de uma frase." Quem? A mim? Ai cafés Nicola, cafés Nicola...Tanto filme americano nessas cabeças, tantos encontros perfeitos.

3.1.09

objectivo

- O meu plano para 2009 é respirar.
- E se falha?
- 'Tá parvo ou quê?

Ele abriu o guarda-chuva, ela apertou contra si o casaco que lhe chegava aos pés.

2.1.09

programa ao ar livre

No Verão, a floresta. No Inverno, o mar. Passeio desencontrado este acabado de programar ontem, primeiro dia do ano. Esquiva-se à lógica e até ao gosto. Mas não a uma certa geometria, infelizmente. Não aprecio a floresta, nem fico de boca aberta diante do mar. E quem pensar que do que eu gosto é de museus engana-se redondamente. Gosto da sombra, das folhas a marulhar, e gosto da brisa e das dunas à vista desarmada. E também gosto dos retratos de Velásquez. Mas do que eu gosto mesmo é do ar livre. E de água sem gás engarrafada.

Também gosto de ver um pássaro na estrada a desviar-se dos carros no último instante, provocador e santo, como se fosse também o último a acreditar em Deus. Além disso, gosto de imaginar picnics com ramalhetes rubros de papoilas. É tudo.

1.1.09

a tia de Castafiori e a passagem do ano

Castafiori tem uma tia que viaja. Já viu a muralha da China, as pirâmides do Egipto, imaginou sacrifícios em templos incas, viu correr o Ganges em Calcutá, dancou a valsa em Bratislava, e gritou 'olé' numa tourada. Eu sei lá o que a tia de Castafiori não viajou! Castafiori não viaja como a tia. Mas falam muito ao telefone. Ontem telefonou-lhe.

A tia de Castafiori recordou a passagem de ano em frente à ópera de Sidney, recordou uma noite gelada e branca na Boémia, outra sob a chuva de Edimburgo, e duma tequilla enganadora na cidade do México. Eu sei lá onde a tia de Castafiori não passou o ano! Era isto que me contava ontem madame Castafiori quando, pouco passava da hora de almoço, quis saber das minhas melhoras. E confessou-me o seguinte: onde ela gostava de estar era no Funchal, num hotel de 5 estrelas, muito quentinha, ela insistiu, 'muito quentinha', a ver o fogo de artifício duma varanda sobre a baía, com os lábios molhados em Don Perignon.

Qual não foi, pois, a decepcão de Castafiori quando a tia lhe disse que bom, bom, era o fogo de artifício do Funchal, sim, mas visto do mar, coisa que ela, tia, evidentemente já tinha experimentado. Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo, acrescentou (a tia foi professora de Português ainda no tempo dos Lusíadas).

Castafiori condescendeu, depois de perceber que aquele 'muito quentinha' não era evidente - alguém lhe explicou que entre a Madeira e a Europa central há muitas coisas semelhantes, mas não o clima. Durou, porém, pouco a possibilidade. Os fantasmas habituais de Castafiori começaram a cercar-lhe a cabeça: viu-se no meio de uma multidão, a apanhar um barquinho pequenino, com pessoas a espirrarem para cima dela, outros a deixarem cair a cinza do charuto às doze badaladas, mulheres a desejar pelo telemóvel 'boas entrada e melhores saídas' às amigas em Ermesinde, flashs, muitos flashs, ah, os flashs, os sorrisos, os beijos, os abraços para os flashs. Não, nunca trocaria a sua varanda de luxo, donde lograria, 'muito quentinha', a visão do fogo a rasgar a noite atlântica, por um bote de passagem do ano no meio da baía. Eu concordei: "- Ainda se fosse no Queen Elizabeth...". Kung hey fat choi, Castafiori!