27.4.11

Draga mea

Os ventos do mar do Norte estão a empurrar o gelo para o Sul. Chego amanhã ao estreito de Bering. Assim que puder, mando-te flores.

26.4.11

lapsus (3)

Elipsis verbi

25.4.11

lapsus (2)

carta de euforia

23.4.11

à noite todas as coisas






22.4.11

para-actividade

os gatos, nas traseiras, andam chateados. andam de um lado para o outro, indiferentes, à chuva. procuram uma distracção, coisa pouca, népias, abrigam-se, e depois seguem. sem entusiasmo, um salto aqui, outro ali, de vez em quando, sim. um deles sobe uma parede para desenfastiar, coisa breve, sem exemplo, pura rotina. voltam a andar de um lado para o outro. os gatos, nas traseiras, andam chateados. quem sou eu para os desmentir?

21.4.11

à noite todas as ruas








20.4.11

à noite todos os barcos






17.4.11

à noite todos os gatos










14.4.11

Repeat

Sentei-me na esplanada como a  minha Vera se estende na varanda e inclinei a cabeça para trás. Apoiei-me na vidraça. Eram quase, quase nove e o sol, o sol de inverno, passava pela minha cara como o vento por uma janela aberta. Deixei-me estar. O homem na mesa ao lado atirou os óculos contra o tampo. Eu ouvi o tac sobre o metal. Tac. A rapariga que falava sobre o resplendor dos faróis de cabotagem levantou-se para pagar a conta. Usava sapatos de vela. Na rua perpendicular, um taxi travou sem avisar. Parecia que o mundo tinha acordado todo naquele instante. Eu não estava preparada para um mundo tão concreto, demasiado concreto, pensei. Pus o ipod a funcionar em modo aleatório e uma canção ligeira invadiu a minha cabeça. Deixei-me ir, "Essa história de gostar de alguém já é mania que as pessoas tem". Sorri da rima fantasiosa e encontrei o mundo na cadência que morreu quando Nara Leão morreu. "Muita alegria, faz também sofrer". Carreguei no símbolo repeat. Ouvi Tahí uma vez mais. Há dois dias que só oiço Tahí.

13.4.11

navegação

Ficas a olhar, truz, emissão, truz, eclipse, truz, emissão, eclipse; contas, percebes o padrão, emissão, tantos segundos, eclipse, tantos segundos; e pensas: aquele é o farol do cabo da roca.

12.4.11

um saltinho ao guincho





11.4.11

Solilóquio de Segismundo

Sueña el rey que es rey, y vive
con este engaño mandando,
disponiendo y gobernando;
y este aplauso, que recibe
prestado, en el viento escribe,
y en cenizas le convierte
la muerte, ¡desdicha fuerte!
¿Que hay quien intente reinar,
viendo que ha de despertar
en el sueño de la muerte?

Sueña el rico en su riqueza,
que más cuidados le ofrece;
sueña el pobre que padece
su miseria y su pobreza;
sueña el que a medrar empieza,
sueña el que afana y pretende,
sueña el que agravia y ofende,
y en el mundo, en conclusión,
todos sueñan lo que son,
aunque ninguno lo entiende.

Yo sueño que estoy aquí
destas prisiones cargado,
y soñé que en otro estado
más lisonjero me vi.
¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.

Pedro Calderón de la Barca
"La Vida es Sueño"

9.4.11

Tarde com sol

As coisas simples dizem-se depressa; tão depressa
que nem conseguimos que as ouçam. As coisas
simples murmuram-se; um murmúrio
tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém.
As coisas simples escorrem pela prateleira
da loja; tão ao de leve que ninguém
as compra. As coisas simples flutuam com
o vento; tão alto, que não se vêm.

São assim as coisas simples: tão simples
como o sol que bate nos teus olhos, para
que os feches, e as coisas simples passem
como sombra sobre as tuas pálpebras.

Nuno Júdice 

8.4.11

sexta-feira de madrugada

as madrugadas de sexta-feira são iguais às outras: não durmo e isto está-se a transformar numa enorme chatice. as manhãs passo-as numa batida quase electrónica. durante a tarde fecho os olhos se não me mexo durante 48 fotogramas. quero adormecer ao sol e respirar pelo nariz. talvez na sexta-feira que vem.

7.4.11

o problema das quintas-feiras

O problema das quintas-feiras é que calham a seguir às quartas. Às quartas há aula de tai-chi. Ontem foi quarta. A aula de tai-chi foi sobre murros. Duas horas de murros. Dois tipos de murros. O murro da serpente, a grande sabida,  e o murro do tigre, sempre o maldito tigre. Desenvolvo: o murro da serpente é um murro venenoso: é dirigido à cana do nariz e dado com os nós dos dedos. Estamos entendidos?!  O murro do tigre é bem mais simples: é para partir tudo. Dividem-se em curtos e longos, exactamente murros curtos e longos, ou, se preferirmos, curtos e longos murros. Em qualquer deles, não esticar por completo o braço. Mas never, never. Já vos disse que o tai-chi é uma arte marcial? Não há cá mais ou menos. Não damos um murro mais ou menos, nem um murro é mais ou menos curto, nem fugimos mais ou menos, nem fugimos de mais, nem fugimos de menos. Se fugimos, fugimos, se damos o murro, damos o murro. Assim!

6.4.11

quarta-feira de areia

Começei esta quarta-feira a limpar merda de gato. O dia ainda não tem uma hora e eu já fui posta à prova de diversas maneiras, a começar pela caca de gato, vá, caca em vez de merda, às meninas tudo é permitido até utilizar a palavra caca em vez da palavra merda. Acontece, porém, que nem quarta-feira é, pelo menos para mim, que ainda não me deitei, e enquanto não me deitar não muda o dia, ainda não é quarta, é terça. Só que me dá jeito despachar já o post da quarta-feira e é essa a única razão para hoje ser quarta-feira.
Estou acordada, contra o que é hábito, porque ainda hoje, terça, tenho de escrever uma merda, ou caca, vá, até amanhã, quarta. Acontece que, às vezes, escrever dá-me fome. Às terças dá-me fome. E às quartas também. Portanto, enquanto escrevia aqui uma bela proposição fui pensando, ora o que é que eu tenho para comer sem ser espinafres e agriões, já sei, um iogurte natural, cortado com um niquinho de doce de cereja, e uma tangerina de sobremesa, ou então como sopa, sopa não, já comi sopa ao almoço, sopa ao jantar, 'tá bem que já há uns dias que não comia sopa, mas não, sopa não, não e não, não quero sopa. Entretanto, acabei a proposição, que me pareceu muito jeitosinha, modéstia à parte, e levantei-me para ir à cozinha e pensei, quando voltar, tiro o parêntesis à proposição e já está, anda bobi que já enganámos mais um. 


Entusiasmada, cheguei à cozinha e veio-me um cheiro da marquise que alto lá com ele e disse de mim para mim, putas das gatas têm sempre que ir cagar quando eu venho comer. E foi desta maneira, pouco gloriosa, pronto,  que me vi na circunstância de ter começado uma quarta-feira, que ainda é terça, a limpar merda de gato. Assim não há proposição que aguente, por mais jeitosinha que seja como, modéstia à parte, repito, é esta: o desejo de saber transforma a verdade numa coincidência.

5.4.11

é terça-feira

É terça-feira, feira da ladra, trá lá lá, qualquer coisa de madrugada. É isto que eu sei sobre as terças-feiras. Não. Sei mais uma coisa: à terça-feira, lá em Évora, era quando se negociavam os porcos na Praça do Giraldo. Eu ia para o liceu e via os homens a pôr a carteira no bolso de trás das calças ou no bolso interior da samarra, no inverno. Era a carteira do dinheiro. Ainda hoje quando vejo uma carteira a abarrotar pergunto ao dono, ou à dona, se foi à Praça do Giraldo vender porcos. As pessoas geralmente não percebem. Ou porque, se conhecerem, conhecem a Praça do Giraldo só de ver ou porque têm a carteira a abarrotar, sim, mas de papéis e cartões de plástico. E voilà, é tudo o que eu sei sobre a terça-feira. Ainda fui à net ver a letra - lyricstime.com/s-rgio-godinho-ter-a-feira.html : "é terça-feira, e das cinzas talvez, amanhã que é quarta-feira -".

Amanhã que é quarta-feira?! Ai que está a acabar o prazo!

4.4.11

segunda de manhã no café

Entrei no café e cheirou-me a naftalina. Não será o cheiro da Primavera ideal mas uma pessoa tem de se habituar a tudo. Assim por alto foi  o que pensei enquanto me sentava. Mas mal me sentei, dei início à investigação. Fiz um scanne em baixa resolução. Fixei-me num ponto. Só tive de habituar os olhos ao efeito de contraluz da manhã ao atravessar a vidraça. As minhas suspeitas recairam em duas criaturas que ocupavam, frente a frente, uma das mesas do fundo. Uma trazia um casaco roxo, muito apropriado à quaresma, outra umas calças a imitar pele de leopardo. Recuei. A minha intuição raramente falha.

2.4.11

o rossio ao sábado de manhã