30.6.08

chamem-lhe mania

Nada disto pode acontecer por acaso. Hoje a porra do pacotinho dizia: 'Um dia peço um desconto numa loja de trezentos'. Se não estão a procurar atingir-me, vou ali já venho. A mensagem estava assinada, vá lá ( um nome - Adriana Morgado - seguido de um número - 13/20 -, aposto que com qualquer intenção cabalística). Um pacotinho de autor, portanto. Não me faltava mais nada. E o pós modernismo? E a morte do autor? E aquele russo que está na América e que tem um inglês arrevesado e que não me lembro como se chama? Ao resto já me vou habituando: 'Hoje é o dia. Nicola. Encontros perfeitos'.

27.6.08

tédio

DSCN7789© fatima ribeiro2008DSCN7789© fatima ribeiro2008

26.6.08

conspiração

Tudo isto me anda a irritar. Temos a filosofia de balcão dos cafés Nicola , temos a harmonia de cores na casa dos ricos, temos previsões de temperaturas de verão que, com a sorte com que ando, aposto que me vão apanhar quando estiver a trabalhar em exteriores durante o dia. Mas as coisas não páram aqui. Mas eu páro: bastam as duas primeiras para pensar em conspiração. O que aconteceu conta-se enquanto o diabo esfrega um olho. Então: não ponho açucar no café mas passei a reparar nas mensagens inscritas nos pacotinhos. Desconfio que começa a causar-me ansiedade esperar pelo café só por causa do raio dos pacotes. Ontem mal o homem, o portista, me pôs a bica à frente só tive olhos para o pacotinho amarelo que dizia: 'desejamos-lhe um óptimo café Nicola'. Estes tipos nunca acertam, pensei, que boca decepcionante esta de 'desejamos-lhe um óptimo café Nicola', admiração era escreverem 'desejamos-lhe um péssimo café Nicola', e virei o pacote. Ia-me dando uma coisa: o outro lado do pacote era preto! Acho que tenho razões para pensar em conspiração. Só por curiosidade, tinha escrito a letras azuis: 'momentos únicos'.

25.6.08

papel higiénico

Estive a trabalhar numa casa tão rica, tão rica que até a cor do papel higiénico contribuia para o ar de sofisticação que nos envolvia. Estou habituada aos sofás com pedgree, aos pinheiros e aos tufos de alfazema e salva, estou habituada às piscinas e televisores bang & olufsen, agora a papel higiénico preto é que não. Primeiro pensei que era para dar com a cor das paredes. Depois pensei melhor e evidentemente é para dar com outra cor. Uma casa assim é logo outra mentalidade.

18.6.08

record

Por causa do Euro 2008 a Ópera de Viena regista a pior temporada de sempre. O edifício fica muito perto da zona de fãs e os amantes da música terão receio da proximidade. É a explicação dada pelo 'Record' desta manhã. Seja como for, a crise está à vista: o último espectáculo teve apenas 79 por cento de ocupação contra os habituais 99 por cento.

7.6.08

séc. XI: poeta andaluz

Olho o céu sem fim
à espera de ver a estrela que tu vês

Vou ao encontro dos viajantes que chegam de todo o lado
à espera que alguém se tenha inebriado com o teu perfume

Enfrento os ventos
à espera que tragam uma mensagem tua

Vagueio sem destino
à espera de ouvir uma canção que fale de ti

Olho as mulheres que encontro sem outra intenção
que descobrir um toque da tua beleza nos seus rostos

Al-Thurthusi
trad: Jorge Sousa Braga

5.6.08

o lapso

Castafiori estava esquisita. Eu adoro espinafres e não compreendia porque é que ela não comia espinafres. Teria compreendido que em cada garfada não pusesse empenho comparável ao meu mas daí até praticamente não lhes tocar entrava para mim na ordem do incompreensível. Cheguei a pensar: lá está ela mais os seus caprichos de morgadinha mas, quem come consente, e nada disse a respeito de. Apenas: "mas coma um bocadinho" e mais à frente: "para lhe falar com franqueza não percebo como é que se pode não gostar de espinafres". Não descansei enquanto não levei a coisa ao detalhe estatístico: "não há semana que passe que eu não coma espinafres". A minha insistência começava a chatear? Talvez. Mas não em vão. Castafiori disse-me que não lhe faria bem comer espinafres. Nada bem, mesmo. Claro que me escandalizei de imediato. Indignei-me, inclusivamente. Mas os espinafres fazem mal a alguém ou a alguma coisa?! Castafiori foi obrigada a calar-me com a autoridade de quem está na posse de segredos insondáveis: "eu sei muito bem o que estou a dizer, conheço muito bem o meu corpo". Receei que qualquer pedido de explicações pusesse a reserva da privacidade em causa. Nada disse. Mas o silêncio é de ouro. Castafiori acabou por acrescentar: "Eu ouço o meu corpo." Como? Quando lancei a palavra fi-lo por puro tique coloquial, mais a pensar na viagem do dia seguinte do que no tema acidental da nossa conversa. "Eu ouço o meu corpo e gosto de o ouvir."

3.6.08

rive

Hoje à noite quando sair vou pôr Rive Gauche, o meu perfume preferido. Yves Saint Laurent morreu ontem.